Setores afetados por fim da desoneração farão pressão por derrubada do veto
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para representantes de setores afetados pelo veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à desoneração da folha de pagamento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não deve conseguir chegar a uma solução para essa questão ainda neste ano, como anunciou em entrevista nesta sexta (24).
Haddad disse a jornalistas que o governo apresentará até o fim do ano uma proposta para substituir a desoneração da folha de pagamento a 17 segmentos da economia. A medida tributária havia sido estendida até 2027 por decisão do Congresso, mas foi vetada na última quinta-feira (23) pelo presidente da República.
O veto desagradou a empresários e congressistas, mas economistas elogiaram a decisão do presidente por considerarem que ela melhora a arrecadação e as contas públicas.
"É impossível uma lei nova ainda neste ano que possa substituir a desoneração", disse à Folha o diretor executivo da ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), John Anthony von Christian.
A decisão de Lula o pegou de surpresa, já que ele acreditava que o presidente vetaria apenas parcialmente o que foi deliberado pelos parlamentares.
"Contávamos que o presidente, por sua origem como sindicalista, fosse priorizar os trabalhadores. Mas o que me parece é que o governo não pensou nas consequências da medida, que deve elevar os preços de produtos e serviços básicos, como alimentos e transportes, aumentando a inflação. E os maiores afetados serão os mais pobres", diz.
Segundo Christian, o setor de telesserviços emprega hoje 1,4 milhão de pessoas e tem forte presença em pequenos municípios. Além disso, ele lembra que o segmento emprega prioritariamente jovens, muitos deles em seu primeiro trabalho.
Como essa é uma área em que não é possível repassar os aumentos de custos aos consumidores por meio da elevação de preços, a consequência do veto do presidente deve ser cortes de funcionários, com a substituição do trabalho humano por máquinas em serviços de SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão).
"Nosso setor emprega minorias da população: 70% são mulheres e 60% são pretos e pardos. O fim da desoneração da folha vai afetar essas pessoas. O governo não considerou que, com o aumento do desemprego, ele vai ter que gastar mais com programas sociais como o Bolsa Família", afirma.
"Parece que o governo se esqueceu do ciclo virtuoso para a economia, que passa pela empregabilidade", completa.
Christian conta que o setor de telesserviços está totalmente engajado na derrubada do veto, atuando em pequenos municípios junto aos prefeitos para que eles pressionem por uma mudança na decisão do presidente. "Estou certo de que os parlamentares vão reverter isso. Mas no fim vai ser ruim para o próprio governo, que vai sofrer outra derrota no Congresso à toa", diz.
O presidente da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), Flávio Roscoe, também disse à Folha que a decisão de Lula o pegou de surpresa. "Não tem por que essa medida, sendo que a desoneração já existia e não traz nenhum impacto no orçamento. Não há sacrifício fiscal aqui, porque essa receita não estava prevista antes", declara.
O governo argumenta que, por ano, a desoneração implica uma redução de R$ 9,4 bilhões na arrecadação federal. Desde que foi criada, em 2012, a medida já representou a supressão de cerca de R$ 140 bilhões em receitas.
Entretanto, parlamentares afirmam que o efeito positivo para a economia supera os R$ 10 bilhões, que viriam da tributação de um aumento de receita das empresas. A conta também considera um acréscimo de mais de 620 mil empregos nos setores contemplados, segundo eles.
Para Roscoe, o correto é derrubar o veto do presidente e só depois pensar em uma forma de substituir a desoneração. "Eu não sei que solução é essa que Haddad mencionou, mas sei que o setor industrial não pode ficar sem a desoneração".
O presidente da Fiemg afirmou que vai buscar uma interlocução com o próprio ministro Haddad em relação a essa questão. "Estamos falando dos setores que mais empregam na sociedade", diz. Segundo Roscoe, o veto gera problemas na competitividade, já que onera a produção nacional em detrimento dos produtos importados.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) afirmou, em nota, que "expressa preocupação" quanto ao veto e que a medida, "em momento que o setor industrial se encontra debilitado", é inadequada e pode, ao enfraquecer o nível de emprego, comprometer ainda mais a atual queda de arrecadação.
A federação projeta contração de 0,5% para a produção da indústria de transformação do país em 2023, que, se confirmada, será a sétima em dez anos.
A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), cujo setor engloba 1,5 milhão de postos de trabalho formais, enxerga como incerta uma solução para essa questão ainda neste ano, e diz que a mobilização para a derrubada do veto deve continuar no Congresso.
"O tempo está passando e as empresas estão fazendo seus planejamentos e orçamentos para 2024. A incerteza joga contra a organização das ações e projetos para o ano vindouro", disse a associação em nota enviada à Folha. "O diálogo é o melhor caminho, mas não há nada sobre a mesa e o tempo não é aliado para uma solução para este ano que valha em 2024".
Segundo a associação, o aumento de carga tributária gerada pelo veto sobrecarregará os custos, com efeitos sistêmicos, como aumento de preços e impacto na capacidade de consumo da sociedade. "Menos consumo significa menor capacidade de preservação de empregos e, mais do que isso, de geração de novos postos formais de trabalho", diz.
Para a entidade, a decisão contraria a agenda de industrialização do país.
Representante de outro setor impactado pelo veto, a NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) disse que a medida deve gerar um aumento de 6,78% nos custos totais do serviço de transporte coletivo por ônibus urbano, levando, como consequência, a um reajuste médio das tarifas para o passageiro de até R$ 0,31. Atualmente, o valor médio da tarifa nacional está em torno de R$ 4,60 e pode ultrapassar os R$ 4,91.
"O ministro Haddad sinalizou que anunciará medidas alternativas à desoneração da folha de pagamento, contudo, enquanto elas não forem apresentadas e efetivadas, o setor de transporte público urbano avalia ser necessária a continuidade da desoneração do modo como existe hoje", afirma a entidade em nota.
"Se for adotada alguma alternativa pelo governo -e quando for adotada- o setor certamente fará uma avaliação sobre sua viabilidade", complementa.
Para as entidades nacionais do setor de serviços digitais, de internet, de inovação e de tecnologia da informação --Abes, Abranet, Brasscom, Federação Assespro e Fenainfo -, a medida tem potencial de piorar a crise fiscal no governo federal, "devido à redução de postos formais de trabalho, aumento da inflação e estagnação econômica".
"Esta é uma decisão de insensibilidade social e que prejudicará também diversos setores econômicos. Não há como reverter a crise fiscal às custas dos empregos de milhares de pessoas e com prejuízos significativos a diversos setores produtivos", segue.
Uma carta que reúne diversos setores da economia afetados pelo veto, como comunicação, calçados e transportes, publicada nesta sexta, cita a urgência da necessidade de reversão da decisão do presidente.
"As entidades representativas destes setores têm plena confiança que o Poder Legislativo irá reafirmar sua decisão sobre a prorrogação desta importante política pública pró-emprego. A expectativa é que as presidências e lideranças do Senado Federal e da Câmara dos Deputados pautarão e derrubarão o veto 38 com a necessária urgência e amplo apoio dos parlamentares", diz o texto.
Além de empresários, deputados e senadores também criticaram o veto de Lula e tendem a derrubar a medida. A FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo) se disse preocupada com o cenário econômico do próximo ano, já que o veto de Lula se soma a uma "pesada agenda arrecadatória imposta pelo Executivo Federal, que terá impactos sobre o consumo das famílias e, consequentemente, na atividade das empresas brasileiras".
Já a Frente Parlamentar do Comércio, Serviços e Empreendedorismo disse que o grupo está mobilizado para derrubar o veto. "Vamos nos esforçar para reverter essa decisão ainda este ano, já que o projeto foi aprovado com apoio sólido e ampla maioria em ambas as casas", diz o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), que preside a frente no Senado.
Os 17 segmentos que serão afetados pelo veto à desoneração da folha são calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.