Apenas metade das italianas está no mercado de trabalho
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) - Depois de cinco anos em uma empresa do setor metalúrgico, finalmente contratada por tempo indeterminado, Chiara (nome fictício) passou a ouvir indiretas e diretas sobre a possibilidade de engravidar.
"Me diziam frases explícitas como 'nem pense em ter um filho agora, hein'. Algo que um homem jamais ouviria", conta a italiana de 35 anos.
Chiara, no entanto, ficou grávida, e de gêmeos. Ao fim da licença-maternidade, decidiu se demitir e ficar em casa com os bebês, diante da falta de vagas em berçários a preços acessíveis.
Dois anos mais tarde, em maio de 2023, recorreu a uma consultora de carreiras para mães com a intenção de voltar ao trabalho. Há pouco mais de um mês, ela foi empregada no setor farmacêutico, no norte da Itália.
"Rejeitei propostas de empresas que faziam perguntas sobre meus filhos ou davam recados como 'para nós, a empresa é como uma família'. Aceitei aquela que me ofereceu a possibilidade de entrar mais cedo e poder sair a tempo de buscar as crianças na escola", disse à reportagem.
Sua história quase engrossou uma estatística que deixa o país bem longe dos colegas do G7 e da União Europeia. Na Itália, pouco mais da metade das mulheres trabalha, o que joga o país para a última posição nos dois rankings.
Segundo o Eurostat, o instituto de estatísticas da UE, 55% das mulheres na Itália, entre 20 e 64 anos, estavam no mercado de trabalho em 2022, percentual atrás dos outros 26 países e distante da média do bloco, de 69,3%.
O mesmo acontece no G7, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que leva em conta mulheres entre 15 e 64 anos ?a Itália é a última da lista, com 51,1%, ante média de 67,7%.
No Índice Global de Disparidade de Gênero 2023, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, a Itália ocupa a 104ª posição no critério de participação econômica, atrás do Brasil, em 86º.
Trata-se de um problema histórico persistente que, vira e mexe, aparece relacionado com outros fenômenos. Influencia o resultado do PIB e é visto como parte da explicação para o declínio demográfico. Tem elos com a desigualdade entre o Norte rico e o Sul mais pobre e com a violência doméstica, tão debatida recentemente no país.
Mas por que, afinal, somente metade das mulheres trabalha na Itália?
Para Azzurra Rinaldi, diretora de estudos econômicos de gênero da Universidade Telemática Sapienza de Roma, a explicação passa por dois eixos. O primeiro está ligado à falta de infraestrutura para as famílias. "Faltam berçários e escola em tempo integral, e em regiões do Sul isso acontece de maneira dramática", afirma.
Na Itália, cerca de 30% das crianças menores de dois anos frequentavam creches em 2021, um índice que na França e na Espanha supera os 50% e, na Holanda, ultrapassa os 70%.
Além disso, a disparidade regional na Itália é gritante. No total, são 28 vagas disponíveis (somando estruturas públicas e particulares) para cada 100 crianças de até dois anos. Na Úmbria, no centro, a cobertura atinge 43,7%, enquanto cai para 11,7% na Campânia, onde fica Nápoles.
O segundo conjunto de motivos, apesar de menos mensurável, influencia tanto quanto. "Aí vem a pergunta: por que a falta de estrutura impacta somente o trabalho feminino e não o trabalho dos homens também?", levanta Rinaldi.
"Porque este é um tema cultural. É ligado à retórica sobre a maternidade, às expectativas sobre o que é ser uma mãe adequada. É um país de tradição muito patriarcal e católica. Claramente tem uma ética do sacrifício das mães e aquelas que não se sacrificam não são vistas como boas", diz a economista.
Um dos resultados é que um terço das mulheres que se tornam mães deixa o próprio trabalho e, mais tarde, enfrenta dificuldades para voltar para o mercado.
A economista Paola Profeta, diretora do laboratório de pesquisas em igualdade de gênero da Universidade Bocconi, em Milão, também cita a falta de serviços, como vagas em berçários, como explicação para a baixa taxa de ocupação feminina. E acrescenta outra peculiaridade ligada à cultura italiana.
"Há pouca coparticipação dos homens, que ainda têm um papel muito estereotipado e conservador. Na Itália, o tempo dedicado pelas mulheres aos cuidados da casa e de filhos é muito superior ao dos homens, uma diferença muito mais ampla em relação a outros países", afirma Profeta.
"São assimetrias que nascem dentro de casa e, depois, se desdobram para o mercado de trabalho, onde elas encontram outros obstáculos."
Relatório de 2019 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostrou que as italianas, em média, dedicam 286 minutos por dia (quase cinco horas) em atividades de cuidados não remuneradas, ante 97 minutos dos homens ?189 minutos a menos. Na Noruega, a diferença entre mulheres e homens é de 39 minutos diários.
É um modelo conhecido como "welfare Mediterrâneo", no qual a família fornece assistência aos próprios membros e o Estado assume um papel mais lateral. Outros países da região, porém, souberam se distanciar disso, deixando a Itália para trás.
"São coisas muito enraizadas que existiam também em outros lugares. O problema é que na Itália não fizemos a mudança de rota", diz Profeta.
A Espanha, por exemplo, intervém com mais força em políticas públicas nas últimas décadas, caso da licença-paternidade, medida apontada pelas duas economistas como parte da solução para levar mais mulheres ao mercado de trabalho.
Na Itália, em geral, elas têm licença remunerada de cinco meses, enquanto os homens, dez dias. Entre os espanhóis, esses prazos são de quatro meses tanto para a mãe quanto para o pai.
Para Taryn Di Ventura, criadora do Un Lavoro per Mamma (um trabalho para a mamãe), que oferece consultoria de carreiras para mães, a igualdade na licença parental é uma ferramenta fundamental para alavancar a ocupação feminina.
"A licença somente materna leva à discriminação no trabalho", diz. Além disso, pais que tiram licença junto com as mães têm mais chance de dividir, a longo prazo, a carga de cuidados não pagos.
Foi Ventura quem prestou consultoria para Chiara, a mãe de gêmeos que sofreu intimidação para não engravidar no antigo emprego. Segundo a especialista, além da ausência de serviços adequados para as famílias, também pesa culturalmente a falta de visão da atividade econômica feminina como fonte de realização.
"É um problema mais enraizado no Sul, onde o trabalho da mulher não é visto como satisfação e crescimento pessoal, mas somente como renda", afirma.
Nesse contexto, diante de gastos com creche ou babá, a família decide que a mulher, em geral com o salário mais baixo, é quem deve abandonar o emprego. Na Itália, o berçário público deve ser custeado parcialmente pelas famílias, a depender da faixa de renda.
Em Milão, o valor mensal varia entre 100 e 500 euros, com lista de espera. "São custos proibitivos e, quando a família faz as contas, a mulher fica em casa."
Uma decisão que Ventura desaconselha fortemente. "Mesmo quando a soma [entre ganhos e gastos] é igual a zero nesses primeiros anos do filho, para a mulher é um investimento manter o próprio trabalho. Seja como gratificação pessoal, seja como independência econômica."
Além de medidas como licença-paternidade, horários flexíveis para as mães nas empresas e serviços acessíveis para o cuidado dos filhos pode ajudar a mudar o cenário na Itália, mas é preciso haver um trabalho coletivo de sensibilização, dizem as especialistas.
"É preciso entender que esse não é um problema só das mulheres. É um problema do país, estamos perdendo todos", afirma a economista Rinaldi. Ela cita estimativa do Banco Central da Itália, que calcula que, se a taxa de emprego feminino subisse para 60%, o PIB italiano aumentaria 7%.
Outra consequência pode ser observada na crise demográfica que se acentua na Itália, onde desde 2008 o número de nascimentos registra quedas. Várias das taxas de fecundidade abaixo da média nacional são de regiões menos ricas, com baixos índices de serviços para as famílias e de mulheres no mercado de trabalho.
"As famílias que têm mais filhos são aquelas em que as mulheres trabalham", explica Rinaldi.
Eleita em 2022, a primeira-ministra Giorgia Meloni, da ultradireita, tem como promessa apoiar a natalidade e a família. Segundo as especialistas, pouco foi feito até agora e há um excessivo enfoque no papel da mulher como mãe, em detrimento da importância de sua participação no mercado de trabalho.
"Não vejo nada de significativo nas ações do governo. Teríamos de aumentar em dez pontos percentuais a ocupação feminina e, para isso, é preciso um percurso, algo estrutural", diz Profeta.
"É necessário conscientizar que isso é um tema econômico importante. Espero que o Prêmio Nobel de Economia [concedido à Claudia Goldin], por pesquisas sobre a mulher no mercado de trabalho, aumente a atenção para isso."