Benefício a setor de eventos gera renúncia de até sete vezes o previsto, diz governo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O benefício fiscal concedido ao setor de eventos vai gerar em 2023 uma renúncia de arrecadação de até sete vezes os R$ 4,4 bilhões indicados no demonstrativo de gastos tributários para o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2024, conforme projeção do governo Lula (PT).
Em nova estimativa, a Receita Federal apontou perdas tributárias entre R$ 17 bilhões e R$ 32 bilhões neste ano com a medida. O valor definitivo só será conhecido em meados de 2024.
O cálculo foi usado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) como justificativa para pedir a extinção gradual do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) na apresentação da MP (medida provisória) que trata do tema ao chefe do Executivo.
"Tendo em vista o impacto fiscal do benefício, associado à ausência de estudos que demonstrem a relevância e a eficácia do gasto indireto, propõe-se a sua revogação", escreveu Haddad em mensagem endereçada ao presidente Lula.
No ato do anúncio das novas medidas econômicas, na quinta-feira (28), Haddad afirmou que a renúncia já alcançava R$ 16 bilhões anuais e que esse era um número conservador.
Criado de forma emergencial durante a pandemia de Covid-19, o Perse foi renovado neste ano até 2026. "Decidiu-se prorrogar por mais cinco anos com o seguinte compromisso, que esse programa ficaria limitado a R$ 4 bilhões ao ano de renúncia fiscal", disse.
"Acontece que estamos fechando o primeiro ano com mais de R$ 16 bilhões de renúncia fiscal. Isso é a parte informada pelo contribuinte, não temos noção do que não foi informado e não foi pago", continuou.
Na exposição de motivos, Haddad apontou também que a Receita Federal alertou durante a discussão com o Congresso Nacional que "os valores efetivamente usufruídos pelos contribuintes poderiam ser substancialmente maiores."
Durante as negociações, o governo teve que ceder aos parlamentares e manter benefícios a empresas aéreas e de entretenimento para conseguir aprovar outras propostas de interesse da área econômica.
As mudanças tributárias que levarão à extinção do Perse serão realizadas gradualmente nos próximos dois anos. Devido à noventena ?regra que determina prazo de 90 dias para alteração de alíquota? alguns tributos voltarão a ser exigidos a partir de 1º de abril de 2024.
É o caso de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Por causa do princípio da anualidade, as empresas ainda estarão isentas de pagamento de IRPJ (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) no ano que vem. A cobrança plena de tributos sobre o setor de eventos será retomada a partir de 2025.
Nos cálculos do governo, a extinção gradual do benefício irá somar R$ 6,01 bilhões aos cofres públicos em 2024.
Os representantes de setores afetados receberam as medidas anunciadas por Haddad com preocupação. Eles argumentam que as propostas geram insegurança jurídica e colocam empregos em risco.
No documento endereçado a Lula, Haddad também detalhou como será feita a reoneração gradual da folha de pagamento e ressaltou que a Constituição autoriza o estabelecimento de alíquotas diferenciadas "em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho".
O ministro disse ainda que a seleção de quem seria contemplado pelas novas regras "teve como norte a importância da política atual para os setores desonerados, de modo a não criar grandes distorções em relação ao que já estabelece a política e manter determinado nível de desoneração para aqueles setores em que há maior relevância do benefício."
Quanto à revogação da alíquota reduzida da contribuição previdenciária aplicável a municípios de até 142 mil habitantes, o titular da Fazenda destacou que a renúncia de receitas poderia agravar a situação deficiente do orçamento de seguridade social.
"Muitos dos municípios mais desfavorecidos economicamente têm a maior parte de seu capital circulante dependente dos valores pagos pela Previdência Social a seus habitantes. Portanto, em caso de insubsistência do regime, justamente as pessoas de baixa renda e os municípios menores teriam maiores prejuízos", afirmou.
A medida gerou reação da CNM (Confederação Nacional de Municípios), que criticou a decisão do governo de revogar o benefício sem apresentar alternativas. Em nota, a entidade disse que estuda medidas para atuação em favor dos municípios e que pressionará o governo Lula por respostas.
Para limitar as compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, Haddad traçou um panorama do cenário. Segundo o ministro, a expectativa é que, ao fim de 2023, seja ultrapassada a marca de R$ 1 trilhão em débitos compensados nos últimos cinco anos.
"Comparando-se o período de janeiro a agosto de 2023 com o mesmo período de 2022, houve aumento nominal de 14,3% dos valores compensados", disse.
Haddad aponta que, a partir de 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos créditos utilizados em compensações realizadas por meio do programa de pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso e declaração de compensação. No período de 2005 a 2018, esse percentual era de 5%.
Na avaliação feita pela Fazenda, 90% dos créditos judiciais utilizados em compensação são relativos à exclusão do ICMS da base de cálculo dos tributos.
No pedido, o ministro argumenta que a medida busca "resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensação de tributos".
A alteração valerá para decisões judiciais sobre créditos tributários acima de R$ 10 milhões, com prazo máximo de cinco anos para utilização desses créditos. Isso significa, por exemplo, que uma empresa que tem R$ 1 bilhão em crédito poderá fazer a compensação ao longo de cinco anos no valor de R$ 200 milhões anuais.