Lula vai enviar projeto para recompor verba de Auxílio Gás e Farmácia Popular após veto a emendas

Os recursos foram cortados pelos parlamentares durante a tramitação do Orçamento de 2024, com o objetivo de abrir espaço à ampliação das emendas de comissão - usadas para irrigar redutos eleitorais dos congressistas.

Por IDIANA TOMAZELLI

Farmácia Popular distribuiu R$ 7,4 bi a falecidos de 2015 a 2020

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para recompor verbas de programas como Auxílio Gás, Farmácia Popular e bolsas de ensino superior.

Os recursos foram cortados pelos parlamentares durante a tramitação do Orçamento de 2024, com o objetivo de abrir espaço à ampliação das emendas de comissão -usadas para irrigar redutos eleitorais dos congressistas. Com a mudança, as emendas chegariam ao patamar recorde de R$ 53 bilhões.

Nesta segunda-feira (22), Lula sancionou o Orçamento de 2024 com um veto de R$ 5,6 bilhões nas emendas de comissão, o que reduz o montante à disposição dos congressistas. O espaço será redistribuído entre as ações que foram alvo da tesourada.

O governo não tem um prazo definido para enviar o projeto de lei com o remanejamento, já que os programas podem começar a rodar com os valores já assegurados no Orçamento deste ano. Mas a ideia é resolver o impasse ao longo dos próximos meses.

O principal obstáculo do governo deve ser a insatisfação do Congresso com o veto às emendas. O relator-geral do Orçamento, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), admitiu em entrevista a jornalistas que, na falta de um acordo para restabelecer as emendas, os parlamentares poderão derrubar o veto presidencial.

A decisão de barrar parte das emendas é delicada do ponto de vista político, pois cria mais um foco de tensão entre o Executivo e o Legislativo. Mas técnicos do governo afirmam nos bastidores que o veto é uma forma de restabelecer o teor do acordo feito no ano passado com o Congresso, que turbinou as emendas de comissão para R$ 16,6 bilhões, mais do que os cerca de R$ 11 bilhões acertados.

Na época, o governo aceitou reduzir em R$ 6,3 bilhões a estimativa de despesas ligadas ao salário mínimo, que envolvem o pagamento de aposentadorias, abono salarial e seguro-desemprego, entre outras. A justificativa foi o reajuste do piso nacional para R$ 1.412, valor menor que os R$ 1.421 estimados inicialmente.

O Executivo também deu sinal verde a uma redução de até 10% nas verbas do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma das vitrines da gestão petista. O programa ficou com R$ 54,5 bilhões, ante uma proposta inicial de R$ 61,3 bilhões.

O problema é que o Congresso cortou outros R$ 6,9 bilhões nas despesas discricionárias do Executivo -que não são obrigatórias e contemplam custeio e investimentos. São esses gastos que o governo pretende agora recompor.

Interlocutores do governo afirmam que há uma preocupação no Palácio do Planalto de que o veto não seja interpretado como uma quebra do acordo.

Em vídeo, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) lembrou também que a desaceleração da inflação resultou em uma correção menor no limite de despesas de 2024. No início do mês, o Ministério do Planejamento e Orçamento informou que esse efeito daria uma diferença de R$ 4,4 bilhões.

"Fizemos um corte dos recursos exatamente porque a inflação foi mais baixa. [...] Toda a equipe, no momento da decisão do corte, resolveu primeiro poupar integralmente saúde, educação, poupar investimentos no PAC, em segurança pública", disse Padilha, sinalizando que emendas para essas áreas foram preservadas.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), não descartou a possibilidade de o governo negociar os vetos com os parlamentares, a depender do desempenho da arrecadação do governo.

"Para nós é mais confortável, dentro do orçamento do Executivo, ajustar isso. Alternativamente a isso, não se descarta também até negociar o próprio veto", disse.

O valor das emendas barradas por Lula não é suficiente para recompor integralmente os R$ 6,9 bilhões que foram retirados das despesas discricionárias, mas o governo deve priorizar na redistribuição aqueles programas que sofreram as maiores perdas.

O Farmácia Popular teve uma redução de R$ 382 milhões, enquanto o programa de educação e trabalho no Ministério da Saúde sofreu um corte de R$ 318 milhões.

Também foram alvos da tesoura as verbas para gestão da Receita Federal (R$ 283 milhões), estruturação de unidades de atenção especializada em saúde (R$ 268 milhões) e concessão de bolsas no ensino superior (R$ 151 milhões).

O programa Auxílio Gás, que repassa às famílias beneficiadas o valor de um botijão a cada dois meses, teve um corte de R$ 138 milhões. Já os recursos para custear o funcionamento da Polícia Federal foram reduzidos em R$ 69 milhões.

O Orçamento sancionado prevê ainda uma meta fiscal de déficit zero, como defendido pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Para alcançar esse objetivo, a peça orçamentária contemplou uma previsão de R$ 168,5 bilhões em receitas extras para reforçar o caixa e tentar alcançar o equilíbrio nas contas públicas. Boa parte delas foi desidratada na tramitação pelo Legislativo.

Nas reavaliações do Orçamento, que ocorrem bimestralmente a partir de março, a equipe econômica será obrigada a refazer as estimativas de arrecadação e tirar da conta a parcela das receitas que não se mostrar viável -o que colocará pressão sobre Haddad em meio ao debate sobre flexibilizar a meta fiscal, que segue vivo dentro do governo.

O mercado tem demonstrado ceticismo quanto à realização efetiva de toda essa arrecadação e vê um déficit de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.

Do lado da despesa, os números da Previdência também inspiram cautela.

O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou fragilidades na promessa do governo de reduzir em R$ 12,5 bilhões a despesa com benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a partir de revisões de aposentadorias.

A economia foi incluída no Orçamento aprovado, deixando a despesa subestimada, na avaliação de especialistas em contas públicas.

Em análise da peça orçamentária, o TCU informou que "não foi possível concluir sobre a viabilidade, a razoabilidade e a factibilidade". Como mostrou a Folha de S.Paulo, o número foi inserido de última hora, a pedido da equipe econômica, para ajudar a fechar as contas de 2024.