Deflação na China acende alerta, mas impacto no Brasil deve ser menor, dizem especialistas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O anúncio de um terceiro mês consecutivo de queda de preços ao consumidor na China acendeu mais um sinal de alerta sobre a economia do gigante asiático, cujos sinais de desaceleração assombram o restante do planeta.
O Brasil, que tem a China como maior parceiro comercial, também pode ser afetado pela queda de preços, mas é possível que seja numa escala menor, segundo analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo.
A China fechou 2023 com deflação de 0,3% no índice de preços ao consumidor em dezembro, terceiro mês consecutivo de queda de preços que já haviam baixado 0,5% em novembro e 0,2% em outubro.
Em relação aos preços ao produtor, a deflação ocorre há quinze meses seguidos, com recorde de 5,4% de deflação em junho do ano passado. Para se ter uma ideia, dois anos antes, em meio à política da Covid Zero que paralisou o país, a inflação ao produtor passava dos 10%.
"A deflação é sintoma de um problema maior, a desaceleração da economia chinesa, que, esta sim, preocupa o mundo todo", diz Juliana Inhasz, professora de economia no Insper.
"O fato de os preços caírem torna o produto chinês muito mais competitivo. Em parte a gente se beneficia porque consegue comprar mais barato o que não produz aqui, por outro lado a nossa indústria concorre de maneira muito mais acirrada com o produto chinês", diz.
A queda de preços chamou a atenção de outras potências, e veículos como o americano Wall Street Journal alertaram para o risco de "esforços por parte de empresas chinesas para descarregar o excesso de mercadorias em outros lugares, competindo com empresas ocidentais e exacerbando as tensões comerciais, que já estão altas".
Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** Isso tornaria mais delicado o varejo em tempos de acesso direto por parte dos consumidores a plataformas chinesas como Shein, Shopee e AliExpress, mas a tributação anunciada pelo governo federal pode segurar esse movimento, afirma Inhasz.
A professora faz a ressalva, porém, de que tudo depende do câmbio: se há desvalorização do real diante do iuan, "ainda que o preço dos produtos caia, com a conversão de moeda talvez a queda de preços nem seja sentida", afirma. "O efeito imediato pode não ser tão dramático. Se a desaceleração chinesa persistir, no entanto, aí sim é muito negativo."
Em 2023, o Brasil registrou recorde de exportações para a China, com US$ 104,3 bilhões. Com importações na casa dos US$ 53,2 bilhões, a balança comercial também fechou com superávit recorde, com US$ 51,1 bilhões.
Lívio Ribeiro, sócio da BRCG (consultoria econômica focada na China) e pesquisador associado do FGV IBRE, afirma que a deflação se explica pela queda na demanda, o que afeta também outros países produtores de bens industriais, como a Alemanha. "É um mundo em desaceleração, com incertezas a respeito do futuro próximo, o que faz cair a demanda", diz Lívio Ribeiro,.
Ele ressalta, no entanto, que o índice geral de preços ao consumidor esconde nuances. A inflação na categoria "comida e tabaco", por exemplo, desabou 2% em dezembro. Já a inflação de "bens e serviços diversos" cresceu 2,9% no mesmo período.
Para o economista, a deflação pode ter pouco impacto no Brasil porque "é concentrada em segmentos específicos", diz. "O mais notório é o aço, impactando em preços de automóveis e um pouco de painéis solares. Mas não é uma queda de preço derivada de uma sobreoferta de preços no agregado", afirma.
O economista Rodrigo Zeidan, professor da New York University Shanghai e da Fundação Dom Cabral, afirma que "brinquedo e roupa a China exporta barato há dezenas de anos" e que a deflação deve ter mais efeitos na cadeia de maior valor.
Em setembro do ano passado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que "os mercados globais estão agora inundados de carros elétricos baratos" e anunciou abertura de investigação que pode terminar com tarifas punitivas de importação para proteger a indústria do bloco.
A chinesa BYD, por exemplo, ultrapassou a americana Tesla como maior vendedora de carros elétricos do mundo.
Zeidan explica que a deflação se dá pelo receio das famílias chinesas com o inédito temor de desaceleração econômica, com alto desemprego entre os jovens, o que as faz economizar mais.
"Você tem uma economia muito mais fraca do que no passado, com redução de consumo. É muito difícil para as famílias chinesas se prepararem para um cenário no qual a economia não cresce de forma robusta", diz. "Foram 40 anos de crescimento. Você toma decisão imaginando que aquele crescimento não vai acabar. E agora você faz um rebalanceamento."
Em 2023, o PIB chinês cresceu 5,2%, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas da China. A produção industrial subiu 4,6%, refletindo as exportações de carros elétricos, e as vendas no varejo, 7,2%. Por outro lado, a crise no setor imobiliário se manteve, com os gastos em construção e decoração diminuindo 7,8% no ano e os preços de novas moradias, em dezembro, caindo no ritmo mais forte desde 2015.