Estados perdem receita, aumentam gasto e cortam investimento
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A redução do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, transporte e telefonia aprovada pelo Congresso Nacional em 2022 derrubou a arrecadação do principal imposto estadual no ano passado, período em que houve corte de investimentos e aumento da maior despesa desses governos: o gasto com pessoal.
A receita com o tributo sobre circulação de mercadorias e serviços caiu 3,8% em 2023, considerando dados corrigidos pela inflação. É praticamente o dobro da queda de 2% verificada em 2020, ano marcado pelo início da pandemia.
Em 2022, em meio à corrida eleitoral, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou uma lei que fixou um teto para as alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações.
Esses itens representavam quase 40% do ICMS antes da intervenção patrocinada pelo governo federal. A participação caiu para cerca de 30% no ano passado, segundo dados do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária).
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fechou no ano passado um acordo para ressarcir os estados. Muitos governadores também aumentaram as alíquotas sobre outros produtos.
Essas duas ações, porém, não foram suficientes para compensar a perda de arrecadação, que também afeta os municípios, que ficam com 25% do tributo. Nas duas esferas de governo, parte relevante da arrecadação é vinculada à saúde e à educação, que perderam recursos.
Na esteira das perdas do ICMS, a receita corrente líquida dos estados caiu 1,8% no ano passado em termos reais (descontada a inflação), segundo dados enviados pelos governadores ao Tesouro Nacional.
Oito estados, que respondem por 60% da receita total, fecharam o ano no vermelho -entre eles, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.
Além de perder receita, o conjunto dos governos estaduais registrou no ano passado aumento de 3,3% na despesa corrente. Apenas São Paulo e Distrito Federal reduziram gastos.
A rubrica pessoal e encargos subiu 5%, acima da média da despesa total, enquanto os investimentos sofreram retração de cerca de 20% no ano pós-eleitoral, sempre considerando dados corrigidos pela inflação.
"Muitos estados acabaram avançando no gasto e agora estão colhendo as consequências diante de uma dinâmica de arrecadação que está pior do que no passado recente", afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da corretora Warren Rena e ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente).
Salto foi secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo em 2022, quando o governo federal conseguiu aprovar mudanças no ICMS dos itens considerados essenciais.
Segundo o economista, já havia um prenúncio de que 2023 seria um ano ruim para a arrecadação, e a situação piorou com a compensação federal aquém do necessário.
Além disso, nem todos os governadores conseguiram aprovar o aumento no imposto sobre outros itens para tentar manter a carga tributária, movimento que Salto vê como necessário.
"Assim como a União está atrás de mais arrecadação, os estados vão precisar recompor receita. Muitos já se anteciparam desde 2022. Outros não elevaram, por conta de custos políticos."
Os números mostram que a despesa cresceu muito acima da receita em 2023, mesmo nos estados em que a arrecadação ainda teve um bom desempenho.
Gabriel Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset que também foi diretor da Instituição Fiscal Independente, afirma que a arrecadação do ICMS como percentual do PIB (Produto Interno Bruto) está em queda há muitos anos, por conta da perda de participação dos bens em relação aos serviços na economia. As mudanças promovidas em 2022 agravaram o quadro.
Para ele, um reequilíbrio das finanças precisa ser alcançado por ajustes tanto do lado das receitas como das despesas.
Na primeira questão, a reforma tributária já prevê mudanças na tributação de heranças e veículos. Ele destaca também a bilionária renúncia fiscal de ICMS, sem nenhuma avaliação de custo-benefício. Pela despesa, o economista vê a necessidade de uma reforma administrativa.
"A carga tributária já é bastante alta. O espaço para promover novos aumentos é limitado. Vai ter de atacar a despesa. Não tem como não falar de uma reforma administrativa", afirma.
Barros vê com preocupação o aumento dos empréstimos dos bancos públicos federais aos estados, como mostrou a Folha de S.Paulo.
O governo federal gastou quase R$ 65 bilhões desde 2016 para cobrir a inadimplência dos estados nos empréstimos com garantia do Tesouro, mas só recuperou R$ 5,6 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional.
A piora na situação fiscal desses entes cria a expectativa de novos calotes, segundo o economista. "Eu tenho dificuldade de ver uma melhora fiscal dos estados e municípios, dado a despesa de pessoal e uma receita estruturalmente fraca, por causa dessa deterioração da base tributária. Então é preocupante essa política que está sendo adotada."
A situação fiscal de estados e municípios levou governadores e prefeitos a pressionar o governo federal por medidas para aliviar as obrigações desses entes com a União. Os primeiros buscam uma nova renegociação das suas dívidas com o governo federal, enquanto as prefeituras tentam garantir a desoneração da sua folha de pagamento aprovada pelo Congresso no ano passado.