Braço direito há mais de 20 anos completa e ajuda a explicar Tite
TURIM, ITÁLIA (UOL-FOLHAPRESS) - Tite tem um hábito nos últimos anos à frente da seleção brasileira que é dar valor aos outros profissionais da comissão técnica. Ele raramente dá entrevistas sozinho, por exemplo. Na convocação para a Copa do Mundo ficaram sentados ao seu lado três auxiliares, coordenador, médico e fisioterapeuta. Essa prática faz com que figuras até então pouco conhecidas pelo público ganhem destaque e tenham suas declarações ouvidas.
Uma deles é Cleber Xavier, auxiliar técnico que trabalha com Tite desde o Grêmio, no começo de 2001. Além de companheiro mais antigo, Cleber é o braço direito e de certa forma ajuda a traduzir o que pensa o comandante.
Um caso marcante aconteceu em janeiro deste ano. Vini Jr estava voando no Real Madrid, enquanto Neymar e Paquetá desenvolveram parceria afinada na seleção. Mas os três nunca tinham sido testados juntos. Até que numa coletiva de imprensa Tite foi perguntado se era possível escalar o trio ofensivo e talentoso como titular. Já no fim da entrevista, o treinador respondeu com poucas palavras: "Curto e grosso, papo reto: sim, eles podem jogar juntos." E fim.
Horas depois, tinha treino da seleção marcado para a Toca da Raposa, em Belo Horizonte. E é claro que todo mundo queria entender de que maneira Tite poderia escalar Vini, Neymar e Paquetá sem abrir mão do equilíbrio defensivo de que tanto fala. Aí entrou Cleber Xavier: o auxiliar se aproximou do cercadinho dos jornalistas e deu uma explicação completa.
Traduzindo a resposta direta de Tite, ele falou sobre variações, encaixe de jogadores, compensações defensivas e como a seleção pensava essa alternativa de jogo na prática, sempre com palavras simples e exemplos. Cleber também explicou que seria possível observar um pouco disso no jogo seguinte, contra o Paraguai. A seleção não teria Neymar naquela partida específica, mas o papel de Philippe Coutinho no time seria parecido.
No fim, o Brasil goleou os paraguaios por 4 a 0 no Mineirão, aquela formação virou uma das duas formas de jogar que a seleção mais trabalhou para a Copa do Mundo e o trio Vini Jr, Neymar e Paquetá emendou jogos como titular.
Barra e Leblon
Cleber traduz Tite porque eles têm personalidades muito distintas e em algum ponto complementares. A seleção garantiu vaga na Copa do Mundo com uma vitória por 1 a 0 sobre a Colômbia em novembro do ano passado na Neo Química Arena, em São Paulo. Foram seis jogos de antecedência, numa campanha histórica nas Eliminatórias.
Tite foi perguntado sobre sua sensação pela conquista da vaga: "Eu não posso falar o palavrão que eu estava com vontade de falar."
Ao seu lado na entrevista -olha aí de novo a mania do Tite-, Cleber não poupou no bom-humor: "Puta que pariu! Estamos no Qatar." Tite olhou assustado para o auxiliar e sorriu. Era exatamente o que ele queria dizer.
O episódio ajuda a mostrar como eles são diferentes. Tite, reservado. Cleber, extrovertido. Isso fica ainda mais evidente quando a análise é sobre os ritmos de vida de cada um fora do trabalho.
Tite é do tipo caseiro. As saídas para as ruas no Rio de Janeiro têm o único propósito de fazer caminhada, seu exercício físico diário. Tanto é que ele escolheu morar na Barra da Tijuca, uma região da Zona Oeste do Rio isolada do agito noturno do Leblon, por exemplo. O Leblon é justamente onde vive Cleber.
Às vésperas da viagem para a cidade italiana de Turim, onde a seleção se prepara para a Copa do Mundo, Tite recebeu e visitou familiares mais próximos. Cleber saiu com a família para eventos sociais. Talvez seja o benefício de não ser tão famoso quanto o treinador.
Tite comemora o aniversário em casa, um bolo com a família. Cleber comemora com roda de samba. Se Tite lê uma frase inspiradora, manda para os amigos mais próximos no WhatsApp ou às vezes imprime e cola na parede de sua sala na CBF. Cleber compartilha para quase 20 mil seguidores no Instagram. Tite é pilhado, Cleber equilibrado.
Um é o avesso do outro. Por isso formam uma peça só.
A dupla é afinada no trabalho de campo. São 14 títulos em 21 anos de parceria, contando dois Brasileiros, Libertadores, Mundial e uma Copa América com a seleção. Quase sempre, Cleber é a primeira pessoa que Tite abraça depois de uma grande conquista, como foi na Copa do Brasil de 2001.
Nesse título, o nome de Cleber virou manchete: ele foi "escalado" para espionar um treino do Corinthians, o adversário da final. O auxiliar do Grêmio ficou encolhido no alto das arquibancadas do Parque São Jorge, atrás de um gol, usando óculos escuros e com um gravador na mão. Só foi descoberto depois de 1h20, quando seguranças foram tirá-lo do local a pontapés.
O técnico corintiano Vanderlei Luxemburgo disse que o ato era "falta de ética". Mas funcionou: o Grêmio venceu por 3 a 1 no Morumbi e foi campeão. No desfile em carro de bombeiros em Porto Alegre, torcedores gritaram "espião, espião".
Hoje, Cleber Xavier só analisa adversários por vídeos.
Mas o futuro da parceria é mistério. Tite quer ficar um tempo parado depois da Copa do Mundo, de seis meses a um ano. Os outros profissionais da comissão técnica, inclusive Cleber, vão deixar a seleção valorizados depois de um longo trabalho, independentemente do resultado, e com mercado aberto. Mas até a hora dessa decisão tem uma Copa inteira no meio do caminho.