VAR vira protagonista e alvo de reclamações na Copa do Qatar
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Polêmico desde a sua implantação no futebol, em 2018, o VAR foi um dos protagonistas no Qatar, na segunda Copa do Mundo em que foi utilizado. Mas, diferentemente da Rússia, quatro anos atrás, desta vez ele foi anunciado com mais tecnologia, porém os questionamentos foram os mesmos.
Por ironia, logo o primeiro gol da Copa do Mundo foi anulado pelo VAR. No jogo entre Equador e Qatar, aos 3 minutos do primeiro tempo, Enner Valencia pegou o rebote em uma cobrança de falta e cabeceou a bola para o gol, o que abriria o placar do Mundial.
O árbitro italiano Daniele Orsato confirmou o gol, mas depois houve a revisão do VAR, comandado pelo também italiano Massimiliano Irrati, que apontou impedimento de Estrada, que estava na jogada. O Equador venceu o jogo por 2 a 0, mas saiu reclamando do tento anulado.
Várias outras seleções reclamaram de lances em que interpretações do VAR teriam alterado o andamento do jogo ou até mesmo o seu resultado, como a derrota por 1 a 0 da França para a Tunísia, no dia 30 de novembro, no estádio Cidade da Educação, pela última rodada da fase de grupos. Para sorte dos franceses, a seleção já estava classificada para as oitavas de final.
Aos 52 minutos do segundo tempo, após uma bola cruzada na área, o zagueiro tunisiano Talbi desviou de cabeça e ela foi para os pés de Griezmann, que bateu para o fundo da rede. O VAR acionou o árbitro neozelandês Mark Conger, que voltou atrás e anulou o gol, anotando impedimento do francês.
"Para muitos, é um segundo lance, então não tem impedimento. Nesta Copa do Mundo, eles interpretaram que esse segundo lance é impedimento por causa de uma orientação que os árbitros tiveram. O zagueiro cabeceou errado, foi uma segunda jogada. Não pode uma orientação se sobrepor à lei do jogo", diz o ex-árbitro Arnaldo Cezar Coelho, que apitou a final da Copa do Mundo de 1982.
Neste Mundial, a aposta da Fifa como nova tecnologia foi o impedimento semiautomático. A promessa era que resolveria os lances com mais velocidade, o que não aconteceu logo na primeira intervenção, já que houve uma demora de dois minutos de análise do gol anulado do Equador.
"É um software com inúmeras câmeras no campo. Mas tem uma falha, que é quando ele vê o lance. Não explica didaticamente, não tem uma imagem da lateral do campo todo. Ele mostra se o jogador está ou não em impedimento isoladamente", diz Arnaldo.
No impedimento semiautomático, as bolas contam com um sensor instalado em seu centro, que permite conferir em que momento houve o contato do jogador com a bola. O estádio conta com no mínimo 12 câmeras conectadas ao sistema. Elas rastreiam a posição de cada jogador em campo e 29 possíveis pontos de contato do corpo do atleta com a bola.
Se houver irregularidade no lance, a sala do VAR é acionada e um auxiliar faz a conferência do lance. Após a checagem o VAR comunica o árbitro.
Para Arnaldo, a forma como foi desenvolvido o software acaba com a "mesma linha" nos lances de impedimento.
"A regra diz que a mesma linha não é impedimento. Mas a linha do software tem um ou dois centímetros de largura. Como é que em um campo de futebol, onde todas as linhas demarcatórias do campo têm 12 centímetros, podem permitir que um software coloque uma linha de um centímetro? Nunca vai ter a mesma linha."
No jogo entre Argentina e Arábia Saudita, onde ocorreu a maior zebra da Copa, com vitória saudita por 2 a 1, os argentinos tiveram três gols anulados no primeiro tempo. "Até hoje não me convenci em um deles. A imagem não é esclarecedora", diz o ex-árbitro.
O sensor da bola foi crucial também no lance mais polêmico na Copa, o segundo gol do Japão na vitória por 2 a 1 sobre a Espanha. Apesar de a Fifa ter divulgado imagens para provar que a bola não estava totalmente fora de campo quando Mitomo fez o cruzamento para Nakata tocar para o gol, as imagens pouco convencem.
A explicação da Fifa foi que o sensor da bola não indicou que ela havia saído antes do toque de Mitomo, portanto era lance legal.
Outro ponto criticado foi a falta de bom senso da Fifa na escala dos árbitros. Na eliminação de Portugal diante de Marrocos pelas quartas de final, por exemplo, os jogadores portugueses deixaram o campo reclamando do árbitro argentino Facundo Tello.
Para Arnaldo, a entidade deveria ter tido um pouco mais e cuidado. "Não pode escalar um juiz argentino nas oitavas com a Argentina jogando as oitavas. Não pode escalar um juiz brasileiro para apitar Inglaterra e França com o Brasil nas quartas".
"Falam 'isso prova a idoneidade'. Não, é que eles não estão na pele do juiz. O juiz sente, o subconsciente age sobre o consciente, ele é humano. Essa é uma pressão invisível. O que fizeram com esses árbitros e com o brasileiro foi uma covardia", completa Arnaldo.
E, segundo o ex-árbitro, essa pressão influenciou no desempenho de Wilton Pereira Sampaio na partida entre ingleses e franceses --o brasileiro foi criticado pelas duas seleções. "A atuação dele no jogo entre Inglaterra e França não foi tão boa como as três primeiras."
A Copa do Mundo do Qatar também marcou a estreia de uma arbitragem feminina em um Mundial masculino. A francesa Stéphanie Frappart apitou o jogo entre Alemanha e Costa Rica, tendo como assistentes a mexicana Karen Díaz e a brasileira Neuza Back. Foi a única partida com o trio.
"Poderiam ter dado mais espaço a elas. Se a moça [Stéphanie] foi para a Copa, é porque é boa. A bandeirinha brasileira [Neuza Back] é melhor que muitos que tão ali", diz Coelho.