Decisão de Bretas abre brecha para anular condenação de Nuzman por suposta propina olímpica
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Uma decisão do juiz Marcelo Bretas no fim do ano passado abriu brecha para que seja anulada a condenação do ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman no caso do suposto pagamento de propina para levar os Jogos Olímpicos de 2016 para o Rio de Janeiro.
Bretas declarou ser incompetente para analisar uma ação penal contra o ex-governador Sérgio Cabral, acusado de receber propina do empresário Arthur Soares. Esse processo tem ligação direta com o de Nuzman porque o esquema teria sido a fonte do suposto pagamento de US$ 2 milhões (R$ 10,6 milhões, na cotação atual) ao senegalês Lamine Diack, membro do COI (Comitê Olímpico Internacional) morto em 2021.
A decisão do magistrado foi tomada após pedido da defesa de Cabral e outros réus em razão de uma sequência de determinações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) que retiraram casos do ex-governador das mãos de Bretas.
Em dezembro de 2021, o Supremo considerou que a competência de Bretas para julgar casos de Cabral se restringe àqueles que envolvem propina paga por empreiteiras.
Na ocasião, foi determinada a retirada de casos da Operação Fatura Exposta, sobre gastos na Saúde, das mãos do juiz. A base da decisão, porém, tem sido usada para retirar outras ações de Bretas, algumas delas já julgadas.
Elas têm semelhanças com o caso da Operação Unfair Play, que se desdobrou em duas ações penais. Uma delas, a que saiu das mãos de Bretas.
"Verifico que, de fato, a presente ação penal é referente a supostos ilícitos não vinculados à Operação Calicute, não havendo indícios, portanto, até o presente momento, de relação com os fatos investigados na referida operação e que tramitam perante este juízo", escreveu o magistrado.
Bretas não se declarou incompetente para julgar a ação penal em que condenou o ex-presidente do COB porque ela não está mais em suas mãos. Após ele ter proferido a sentença, os réus apelaram da decisão, o que levou o processo ao TRF-2. Cabe às defesas, agora, solicitarem a análise da atribuição correta para julgar o caso.
A defesa de Sérgio Cabral, também condenado pela chamada "propina olímpica", afirmou que deve pedir ao TRF-2 a anulação da sentença.
"O reconhecimento da incompetência pelo juiz Marcelo Bretas na operação Unfair Play acaba por atingir diretamente os processos envolvendo a outra operação, já sentenciados por ele, que têm como escopo a escolha do Rio de Janeiro para sede das Olimpíadas de 2016. Todas estas questões relativas à incompetência do juízo da 7ª Vara estão sendo enfrentadas de forma enérgica pela defesa", afirmou, em nota, a advogada Patrícia Proetti.
O advogado João Francisco Neto, que defende Nuzman, disse que "a violação da competência é apenas uma das inúmeras ilegalidades cometidas pelo juiz de primeiro grau, que proferiu sentença condenatória sem lastro na prova dos autos".
"A defesa confia na absolvição de Carlos Arthur Nuzman pela instância superior, como única forma de reparar a violência jurídica que vem sofrendo", acrescentou Neto.
Caso seja declarada a incompetência de Bretas no caso, o processo voltará à estaca zero, com novo julgamento por um juiz sorteado.
Nuzman foi condenado a quase 31 anos de prisão sob acusação de envolvimento no pagamento de propina a Diack para a compra de votos no COI para a escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Nuzman sempre negou a acusação. Afirmou que não tinha conhecimento de nenhum pagamento e que a escolha do Rio de Janeiro foi resultado do esforço empenhado pelo comitê de candidatura.
Sua defesa também disse que o caso investigado tratava de uma possível corrupção privada, crime não previsto na legislação brasileira. O magistrado entendeu, porém, que o COB é uma entidade de caráter público e que Nuzman contou com benefícios conferidos a "seletos funcionários públicos", como passaporte diplomático, durante a campanha.
O dirigente chegou a ficar preso preventivamente por 15 dias, mas foi solto por habeas corpus do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A investigação levou à renúncia do cartola da presidência do COB após 22 anos no comando da entidade.
Cabral também negou, inicialmente, a acusação. Chegou a classificar em interrogatório a acusação da Procuradoria como um "preconceito racial".
Contudo, o ex-governador mudou a estratégia de defesa, decidiu confessar e, em novo depoimento, confirmou o pagamento de propina. Ele afirmou que o dinheiro repassado compraria até nove votos, citando os ex-atletas Alexander Popov, da Rússia, e Sergei Bubka, da Ucrânia, como dois deles.
Disse também que o presidente Lula (PT), à época no cargo, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), sabiam do pagamento. Eles negam.
Segundo Cabral, a maior preocupação da delegação brasileira era garantir um número mínimo de apoiadores na primeira rodada de votação no COI.
Quatro cidades foram candidatas na eleição de 2009 --além do Rio, concorreram Madri, Tóquio e Chicago. A vitoriosa seria definida por eliminação. A cada rodada, a cidade menos escolhida era retirada da disputa, iniciando-se nova votação.
"Ele [Nuzman] chegou com o Leo Gryner. 'Olha, governador, nós temos todas as chances de ganhar. Fizemos uma campanha bonita, os três níveis de governo envolvidos. O presidente da federação internacional de atletismo, Lamine Diack, se abre para vantagens indevidas. Fizemos contato com ele. E há uma garantia de cinco a seis votos. E eles querem US$ 1,5 milhão'", relatou Cabral.
O emedebista relatou que Nuzman e Gryner o procuraram depois pedindo mais US$ 500 mil a fim de garantir até nove votos.
Na primeira rodada de votação, a cidade brasileira teve 26 votos, enquanto a norte-americana foi eliminada com 18. Caso a candidatura carioca tivesse perdido os até nove votos supostamente comprados para a concorrente, a cidade não teria passado.
"Era fundamental ter a garantia desses votos. Depois foi a política. A política com 'p' minúsculo na primeira fase e a com 'p' maiúsculo na segunda e terceira fases", disse Cabral, referindo-se à campanha pelo segundo voto dos eleitores do COI.
Após a primeira rodada, o Rio manteve larga vantagem sobre as demais, tendo atraído os votos dos eleitores das cidades eliminadas. Na última votação, superou Madri por 66 a 32.
As principais provas do processo eram o comprovante de transferência de US$ 2 milhões de uma empresa de Soares para uma firma de Papa Massata Diack, filho de Lamine.
O vínculo com a votação foi determinado por meio de emails de Papa Diack a integrantes da Rio-16 em que cobrava o valor prometido. O atraso, segundo o senegalês escreveu, gerou "constrangimento de pessoas que confiaram no nosso comprometimento em Copenhague".
Além do valor pago por Soares, as investigações identificaram o pagamento de mais US$ 500 mil a Diack por meio de uma conta de Willy Kraus, dono de uma corretora de câmbio no Rio de Janeiro, morto em 2015.
Transferências de Kraus coincidem com o relatado por Papa Diack em email enviado à então secretária de Nuzman, Maria Celeste. Na mensagem, enviada no dia 6 de janeiro de 2010, ele confirma o recebimento de duas transferências (US$ 50 mil e US$ 60 mil) e aponta um débito de US$ 340 mil.
Dois depósitos feitos por Kraus ocorreram antes do envio do email com os mesmos valores. Outras duas transferências (US$ 80 mil e US$ 60 mil) ocorreram após o envio do email.
A investigação identificou uma série de emails de Papa Diack fazendo cobranças mesmo após o pagamento de Soares, em setembro de 2009. Em 26 de novembro de 2009, Gryner havia enviado um email para o senegalês afirmando que tinha "um patrocinador diferente para essa última porção".
"Esse patrocinador está tendo problemas com essa transferência, e estamos tentando ajudar ele", escreveu o ex-diretor da Rio-16. A suspeita é que Kraus seja o novo "patrocinador" ou um intermediário dele.