Projeto adapta skate e aproxima crianças com deficiência do esporte
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando tinha 12 anos, Naiumy dos Reis buscava a liberdade que representa a transição da infância para a adolescência, como fazem todas as crianças.
Para muitas delas, é por meio do esporte que encontram as sensações que desejam experimentar. No caso da jovem gaúcha, era o vento no rosto, a superação de uma manobra ou simplesmente a remada sobre a prancha de um skate que lhe dava a independência tão desejada.
Foi assim desde o primeiro contato com o esporte radical. "Eu senti a liberdade", diz à Folha de S.Paulo a jovem, hoje com 19 anos.
"Quando ela desceu a rampa e abriu aquele sorriso imenso, e ela é muito expressiva, não teve como negar que aquilo foi uma experiência incrível", afirma a mãe dela, a neuropsicopedagoga Roberta Reis.
Roberta filmou os primeiros passos de Naiumy no skate. Foi uma surpresa para ela já que o contato com a modalidade ocorreu durante uma sessão de fisioterapia. A jovem nasceu com esquizencefalia, um tipo de paralisia provocada por má-formação no cérebro. A mãe não esconde que ficou com medo quando viu sua filha no skate. Mas confiou nela.
"Tem momentos em que eu me emociono, mas como aquele dia nenhum vai superar."
Partiu da própria jovem a vontade de iniciar a prática. O desejo nasceu de conversas com o fisioterapeuta Stevan Pinto, skatista nas horas vagas. Ele gostou da ideia e, na sessão seguinte ao dia em que ela manifestou esse desejo, apresentou um skate adaptado.
"Eu usei o próprio andador dela, que era o recurso que ela utilizava para treino de marcha em terapia. Foi adaptado e ajustado para possibilitar a prática de skate", lembra Stevan. "A mãe dela filmou essa primeira experiência dela, descendo uma rampa da clínica, e a gente pode ver até hoje a satisfação que ela teve."
Para ele, a emoção da jovem foi o principal ganho. "Para uma pessoa cadeirante, conseguir praticar um esporte radical como o skate e ainda em pé é uma satisfação imensa", afirma.
"Quando ela conheceu a cultura do skate, viu também que era uma cultura acolhedora. Fez amigos. Foi uma forma de inclusão social", acrescenta.
A motivação causada pelo esporte influenciou o desenvolvimento dela, sobretudo na fisioterapia. "Depois disso o desempenho dela na marcha melhorou muito. É o que mais se destaca", afirma Stevan.
A partir da experiência com Naiumy, ele resolveu criar um projeto para levar esse tipo de vivência a outras crianças com deficiência. Nasceu assim, em 2015, o SkateAnima. A vivência, que ocorre um domingo por mês, reúne pais e filhos em alguns parques de Porto Alegre.
Cada skate é adaptado de acordo com a necessidade dos praticantes. Para os ajustes necessários, são usados vários tipos de material: banda elástica, pedaços de borracha e itens recicláveis, como lona de pneu. Alguns precisam do apoio de um andador.
Tema do artigo para a conclusão do curso de especialização em fisioterapia neurofuncional de Stevan, o projeto tem buscado se expandir por outras regiões do país. De 25 de fevereiro a 5 de março, por exemplo, o profissional e a equipe dele estarão em São Paulo, em parcerias com instituições especializadas.
Será uma oportunidade de criar novos laços com crianças que passaram a se interessar pelo skate desde 2021, quando atletas brasileiros se destacaram na modalidade nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
"A Olimpíada ajudou a mudar certos estigmas sobre o skate", afirma Stevan.
Naiumy e sua mãe, por exemplo, assistiram juntas ao desempenho dos skatistas brasileiros no Japão. A jovem se tornou fã de Luiz Francisco, o Luizinho, que competiu na modalidade park.
Neste domingo (29), ela e mãe vão acompanhar o início do Campeonato Mundial de Skate, primeiro evento classificatório para os Jogos de Paris 2024. A competição será realizada no complexo de Aljada Skatepark em Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos.
As disputas começam com a modalidade street, de 29 de janeiro a 5 de fevereiro, e seguem com o park, de 5 a 12 de fevereiro.
Naiumy pretende acompanhar todas as disputas, mas sempre gostou mais de ver provas de street, já que "os obstáculos são os mesmos que a gente vê na rua".
Brasileiros no Mundial de skate No street feminino, serão cinco nomes da seleção brasileira principal e um da júnior: Gabriela Mazetto, Kemily Suiara, Marina Gabriela, Pâmela Rosa, Rayssa Leal e Maria Clara (júnior). Carla Karolina, que não é da seleção, também estará nas disputas.
No street masculino, participarão do evento os seis skatistas da seleção principal e um da júnior: Eduardo Neves, Gabryel Aguilar, João Lucas Alves, Felipe Gustavo, Giovanni Vianna, Lucas Rabelo e Filipe Mota (júnior). Carlos Ribeiro, Ivan Monteiro, Kelvin Hoefler e Vinicius Costa também vão representar o Brasil.
No park feminino, o Brasil terá os seis nomes da seleção principal e dois da júnior: Dora Varella, Erica Leguizamon, Isadora Pacheco, Raicca Ventura, Victoria Bassi, Yndiara Asp, Fernanda Tonissi (júnior) e Sofia Godoy (júnior). Emily Antunes e Lua Vicente ainda estão entre as representantes do skate nacional.
No park masculino, entre os skatistas da seleção, serão cinco nomes da principal, Augusto Akio, Luigi Cini, Murilo Peres, Pedro Barros e Pedro Quintas, e dois da júnior: Gui Khury e Kalani Konig. Também vão representar o Brasil Andre Mariano, Héricles Fagundes, Mateus Hiroshi, Pedro Carvalho e Sandro Dias.
Luiz Francisco, da seleção Brasileira, recupera-se de lesão e não foi a Sharjah.