A anunciada adesão dos partidos do "centrão" à candidatura de Geraldo Alckmin, salvo melhor juízo, tem um corte aritmético: agrega alguns minutos a mais ao tempo de rádio e TV do presidenciável tucano, roubando esse mesmo tempo de outros candidatos que também cortejavam as siglas. É um fato novo e importante, pois aprofunda o isolamento de algumas candidaturas e dá a Alckmin mais oxigênio e musculatura.
Mas a operação é complicada. A derivação feita pelo "Centrão" foi marcada por estimativas nada inocentes, de perfil pragmático. Não se passou um cheque em branco e almoço grátis só na casa da mamma, e olhe lá. Foi uma decisão que se afirma com pretensões eleitorais, de curto prazo, e com pretensões de longo prazo, com as quais seus representantes querem garantir a presença de suas digitais no eventual governo tucano. Se Alckmin não vencer, os políticos do "Centrão" imaginam que terão força suficiente para negociar espaços com o vencedor. De certo modo, ganham nos dois casos.
Há uma dimensão paradoxal no acerto: um dos candidatos que mais têm batido na tecla do gerencialismo racional, da ética pública e do rigor fiscal é forçado a se aproximar de um bloco fortemente identificado com o fisiologismo e a política tradicional do toma-lá-dá-cá. É um paradoxo que mostra a força do tradicionalismo político e revela que a "velha política" é em boa medida a política realmente existente. Com o gesto, com a aceitação da chegada do "centrão" à sua campanha, Alckmin dá mostras de realismo, da necessidade de "fazer política" com os dados da realidade: a realpolitik seria, assim, o suposto de uma governabilidade a partir da qual algo novo poderá ser proposto.
A aposta é que o poder de fogo do "centrão", seu apetite desmesurado, poderá ser adequadamente administrado, para que não atrapalhe os planos presidenciais.
A aproximação agora anunciada repõe um problema que não foi até hoje devidamente equacionado pelos democratas: como dosar o apetite do fisiologismo tradicional, que tem se mantido ativo em todos os governos das últimas décadas, de FHC a Temer, passando por Lula e Dilma?
Não há qualquer certeza de que o apoio do "centrão" trará mais eleitores a Alckmin. Pode mesmo funcionar em sentido oposto. A aposta de que mais tempo de propaganda gera automaticamente mais votos deve ser sempre feita com um ponto de interrogação à frente. Ainda mais hoje, que nem TV direito as pessoas assistem.
Em contrapartida, fica-se com a percepção de que Alckmin armou para si próprio uma arapuca. Obrigou-se a fazer mais concessões programáticas e operacionais durante a campanha, por exemplo. Se for eleito, terá de entregar preciosos cargos de 1º e 2º escalão, que serão postos num cesto de difícil gestão racional ou realista. Seu governo poderá ficar refém de uma banda podre do Congresso Nacional e até mesmo ser asfixiado por ela.
Os jornais dão conta de que, para os políticos do "centrão", tudo está sendo amarrado e colado para ser levado à prática a partir de janeiro de 2019. A deixa é dada pela ideia de "repartição do poder", que no fundo nada mais significa do que o controle do poder pelo bloco dos que se coligarem agora, com direito a simplesmente tudo: dos ministérios e das diretorias de empresas à presidência da Câmara e do Senado.
Se vai dar certo, é outra questão.
Chama atenção o fato de que o desfecho do processo se deveu a Valdemar Costa Neto (PR), um dos campeões nacionais do fisiologismo, e implicou a defenestração do coordenador da campanha de Alckmin (Marconi Perilo) e a indicação do vice-presidente na chapa tucana, para cujo cargo foi oferecido o nome do empresário Josué Gomes.
Jogo sendo jogado.
Política é dinamismo, nuvens que se movem e se deslocam repentinamente. Pode ser que a anunciada articulação seja mesmo benéfica a Alckmin e lhe dê o impulso de que necessita. Ele está jogando com as regras prevalecentes na política brasileira. E conseguiu uma vitória, ao amarrar a noiva, que se oferecia, como sempre, para todos os demais pretendentes.
Para alguém que enfrenta dificuldades e tem mostrado, até agora, baixo poder de persuasão e convencimento, é algo para comemorar.
Mas o estrago na parte substantiva do jogo terá de ser incluído nos cálculos. Alckmin precisará dar nó em pingo dágua para se apresentar como propenso a renovar as práticas políticas e inovar em termos gerenciais. E terá de descobrir um modo de "disciplinar" a boiada que lhe será entregue caso vença as eleições.
Sem isso, poderá até governar, mas terá de arquivar eventuais planos racionalizadores e de inovação que tem tentado colar à sua imagem.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp
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Falando a sério sobre Alckmin 1