Golpismo de Bolsonaro faz EUA evitarem parada naval do 7 de Setembro

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os Estados Unidos não deverão participar da parada naval do 7 de Setembro no Rio de Janeiro, evento de comemoração do Bicentenário da Independência que está sendo sequestrado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) como ato de apoio a si e às suas teorias golpistas contra o sistema eleitoral.

É uma situação politicamente delicada à qual os americanos não querem se ver associados. Os EUA, Brasil e outros 20 países estarão com navios militares no Rio na semana do evento. Eles participarão do tradicional exercício multinacional Unitas, e as Forças estrangeiras presentes com embarcações foram convidadas para o desfile.

A parada sairá do mar à frente do Recreio dos Bandeirantes e irá até o Leme. No seu trecho final, em Copacabana, haverá o palanque criado por Bolsonaro para substituir o tradicional desfile cívico-militar do 7 de Setembro no centro da cidade.

O Unitas é realizado desde 1960, sendo o mais longevo exercício do tipo do mundo --é focado nas Américas, mas tem convidados de longe, como Reino Unido, Espanha, Coreia do Sul e Namíbia, neste ano. O Brasil já havia sido escolhido antes de Bolsonaro ser eleito para sediar a edição deste ano, justamente para coincidir com os festejos do Bicentenário.

A simulação de ataques e manobras é coordenada pelos EUA, que geralmente mandam de duas a quatro embarcações para liderar os cerca de 20 navios e submarinos que participam de jogos de guerra. Esta edição terá 5.500 militares envolvidos, de 10 a 22 de setembro.

A cerimônia de abertura será um pouco antes, no dia 8, após a parada naval. Até a semana passada, 11 dos 22 participantes haviam informado à Marinha que poderiam participar do evento, e segundo militares ouvidos os americanos estavam entre eles. Por ora, eles são esperados.

Ainda não se sabe o tamanho da parada, que deverá ser liderada pelo Cisne Branco, veleiro usado como símbolo diplomático e de relações públicas da Marinha, e a nau-capitânia brasileira, o porta-helicópteros multipropósito Atlântico.

Mas a decisão tomada em Washington é a de evitar associação com o evento bolsonarista, segundo a reportagem ouviu de pessoas com conhecimento do assunto. Há aqui ecos invertidos de um outro momento histórico: em 1964, os EUA montaram uma operação naval, a Brother Sam, para apoiar os golpistas, que acabou não sendo necessária.

Além de uma eventual mudança de orientação, poderá haver, contudo, participação americana em algum outro evento na região portuária do Rio, que terá exposições culturais e visitação a navios de guerra ali atracados. Com efeito, embora não comente o assunto, a Embaixada dos EUA divulgou nota nesta segunda (29) com um tom bem diplomático acerca do evento.

"Após a chegada das forças multinacionais ao Brasil, a fase inicial na área portuária vai incluir intercâmbios culturais, eventos esportivos e projetos comunitários. Além disso, as nações parceiras da Unitas-2022 poderão participar dos eventos do bicentenário brasileiro, como o Desfile Naval", diz o texto, cuidadosamente promovendo o evento, mas não confirmando participação.

Entre militares, há a expectativa acerca da posição do Chile, dado que Bolsonaro insultou o presidente Gabriel Boric ao mentir no debate com outros candidatos ao Planalto no domingo (28), dizendo que o colega havia depredado patrimônio público nos protestos de 2019 no país andino. Até aqui, contudo, a diplomacia chilena diz que a fragata Williams irá participar.

Confirmada a disposição sobre a parada, será o terceiro recado eloquente dado pelos EUA acerca do processo eleitoral brasileiro. Após Bolsonaro ter chamado embaixadores, inclusive o encarregado de negócios americano, para ouvir uma palestra na qual repetiu mentiras que vem divulgado acerca da segurança das urnas eletrônicas, a embaixada publicou uma inusual nota qualificando as eleições brasileiras como modelo para o mundo.

Entre integrantes da cúpula militar brasileira, colocados na linha de frente da campanha bolsonarista devido ao apoio do ministro da Defesa, general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, aos questionamentos feitos ao Tribunal Superior Eleitoral sobre as urnas, a mensagem foi clara.

Na visão do Alto Comando do Exército, os americanos deixaram claro que não mais repetiriam 1964, quando apoiaram o golpe militar que deu origem à ditadura sempre enaltecida por Bolsonaro.

O segundo recado veio logo a seguir, na seara fardada, quando o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, reforçou a ideia do controle civil sobre as Forças Armadas durante encontro com seus pares em Brasília. Nogueira assentiu e reiterou o compromisso democrático do país ante os preceitos colocados por organismos multilaterais.

A politização bolsonarista do 7 de Setembro já havia ocorrido ano passado, quando o presidente pregou contra decisões do Supremo Tribunal Federal que considera persecutórias. A reação institucional foi desordenada, mas ao fim os ânimos foram acalmados com a tomada de assalto do Executivo pelo centrão.

Mantendo a praxe do mandatário, a calma antecedeu nova crise neste ano, particularmente entre Bolsonaro e o agora presidente do TSE, ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Decisões do magistrado contra empresários apoiadores do presidente acirraram ainda mais os ânimos, com a ala política do governo diz tentar demover o chefe de radicalização no feriado nacional.

Em Brasília, ao menos três chefes de Estado estarão presentes ao usual desfile na Esplanada dos Ministérios. Já o evento no Rio acabou sendo estruturado como palco do candidato à reeleição, apesar da resistência velada do Exército, na bolsonarista Copacabana.