Pesquisadora vê risco ambiental com vitória republicana em eleição legislativa nos EUA

Por CLARA BALBI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A transformação do tema das mudanças climáticas em uma questão de política partidária, não de uma ameaça real ao planeta, é um dos perigos que a pesquisadora americana Alice Hill destaca para a diplomacia dos Estados Unidos a partir do resultado das chamadas midterms. As eleições legislativas de meio de mandato, que renovarão a Câmara e parte do Senado estão programadas para o próximo dia 8.

"Os republicanos não veem o tema de maneira tão urgente quanto os democratas", diz à reportagem a pesquisadora-sênior do Conselho de Relações Exteriores americano e responsável pela política nacional de resiliência a catástrofes durante o governo do democrata Barack Obama, entre 2015 e 2016.

Segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa, atrás da China, os EUA viram recentemente uma vitória significativa do governo de Joe Biden na área. Em agosto, o Senado aprovou o maior investimento federal em mitigação da crise climática de que se tem notícia, injetando US$ 430 bilhões em programas de energia e clima e prevendo cortar emissões de carbono para um nível 40% abaixo do patamar de 2005 até o final da década.

É por ações como essa que Hill vê o risco de uma vitória conservadora no Legislativo resultar em consequências negativas para as ambições do presidente -que de resto ainda estão mais no papel. Segundo ela, uma maioria republicana na Câmara tornaria possível a abertura de investigações e poderia dificultar a execução do orçamento necessário para as propostas de Biden.

No Senado, o resultado não reverteria a chamada Lei de Redução da Inflação -título algo eufemístico para o pacote de clima, por incluir também medidas para combater a alta dos preços. "Mas tornaria mais devagar o avanço de parte das ambições para o setor que o presidente sinalizou ter", diz ela, que na segunda (24) participou por videoconferência de um debate organizado pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) em parceria com a sede do consulado americano no Rio de Janeiro.

Hill chama a atenção ainda para o fato de que as midterms incluem eleições municipais, estaduais e de conselhos cujas ações também impactam a meta de redução das emissões nos próximos dez anos.

Então, além das consequências internas, uma troca na bússola do Congresso poderia prejudicar a mensagem que o democrata pretende passar à comunidade internacional, de que os EUA "estão de volta" para liderar as negociações sobre o tema -as midterms ocorrem ao mesmo tempo que a COP 27.

A questão é que Washington teve uma conduta errática nos últimos anos -enquanto Obama e, agora, Biden dizem colocar a pauta ambiental no centro da agenda política, Donald Trump era um "ecocético" e chegou a tirar o país do Acordo de Paris. Mais uma mudança de posição seria, portanto, "um acréscimo à retórica de que os EUA não vão seguir à frente com firmeza."

Hill diz ainda que o resultado das eleições pode impactar a colaboração entre EUA e Brasil no âmbito climático --tanto quanto uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro (PL), cujo governo foi marcado por recordes de desmatamento e o desmonte de órgãos de fiscalização, tirando o Brasil da liderança na diplomacia ambiental.

"Tudo depende dos lados da equação: se Bolsonaro será visto como um parceiro confiável ao combater esses problemas, em especial o desmatamento da Amazônia; e se o Congresso americano apoiará os esforços do presidente para enfocar mais as questões climáticas, incluindo o Brasil", diz ela. "Em ambos os contextos, há a questão de quem estará na liderança."

A despeito de um encontro na Cúpula das Américas, o líder brasileiro manteve relação distante de Biden e no ano passado chegou a citar a "obsessão pela questão ambiental" do americano como um obstáculo para as relações de Brasília e Washington.

Hill declara, no entanto, que oportunidades de colaboração e fortalecimento de esforços bilaterais na área não faltam --de estabelecer parcerias para combater crimes contra a conservação ao compartilhamento da pesquisas sobre combustíveis limpos em curso nos EUA hoje. "Os dois países desempenham um papel fundamental no combate às mudanças climáticas; e ambos estão entre os dez maiores emissores."

Para a pesquisadora, esse tipo de colaboração será ainda mais necessária à medida que eventos climáticos extremos se tornam mais recorrentes -assim como foi com a Covid.

Ela, que escreveu um livro sobre o enfrentamento das mudanças climáticas depois da pandemia, conta que essa é só uma das semelhanças na forma de combate aos dois fenômenos, uma lista que inclui ainda investimento em ações preventivas, lideranças que tomem decisões baseadas em dados científicos e uma atenção especial às faixas mais vulneráveis da população.

"Nenhuma dessas ameaças respeita os limites de jurisdição que os humanos desenvolveram no último milênio. Eles passam por cima delas, e precisamos nos coordenar através dessas fronteiras para que todos estejam devidamente protegidos."

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RAIO-X

ALICE HILL, 66

Atuou como assistente especial do governo Barack Obama (2009-2017) e foi diretora-sênior para políticas de resiliência do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Em 2009, formulou o primeiro plano de adaptação climática do Departamento de Segurança Nacional do país.