Entenda as midterms, as eleições de meio de mandato nos EUA

Por THIAGO AMÂNCIO

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Os EUA realizarão na terça (8) as eleições legislativas de meio de mandato, as chamadas midterms, que renovam a Câmara e parte do Senado, além de uma série de governadores e Legislativos locais pelo país.

A disputa definirá a segunda metade da gestão Joe Biden e pode impactar o pleito presidencial de 2024.

Entenda o que são as midterms e o que está em jogo.

O que são as midterms?

Midterms é como são chamados os pleitos que ocorrem, como o nome indica, na metade do mandato presidencial nos Estados Unidos e que elegem o Legislativo federal e cargos locais.

Essas eleições elegem nomes para todos os 435 assentos da Câmara dos Representantes, Casa em que os deputados têm mandatos de dois anos, e 35 dos 100 senadores, que terão mandatos de seis anos.

Por que as midterms são importantes?

A disputa federal é importante porque define se o presidente do país terá apoio no Legislativo para aprovar suas pautas. Com maioria confortável na Câmara e no Senado, o mandatário pode emplacar até projetos mais controversos, como pautas ligadas a armas ou ao aborto.

Se tiver maioria estreita, como é o caso de Biden no Senado hoje, qualquer dissidência pode travar projetos. Foi o que aconteceu com o atual presidente quando um único senador, Joe Manchin, do mesmo Partido Democrata, travou por meses o megaprojeto "Build Back Better" (reconstruir melhor).

Se não tiver maioria, o Congresso tem o poder de bloquear a agenda do presidente, que precisará fazer concessões. No limite, um Legislativo com maioria oposicionista pode até aprovar um impeachment.

Não é incomum que presidentes sejam eleitos com maioria nas duas Casas, como ocorreu com Biden, e percam essa vantagem nas midterms. Isso aconteceu em algum momento dos mandatos de todos os últimos presidentes desde Bill Clinton: George W. Bush, Barack Obama e Donald Trump.

Qual o panorama das midterms hoje?

As midterms são consideradas um bom termômetro da avaliação popular do presidente no cargo. O cenário não é favorável para Biden, que tem 40% de aprovação, segundo o instituto Gallup, que também aponta que 79% dos americanos se dizem insatisfeitos com os rumos do país.

Pesquisas apontam que os republicanos devem conquistar a maioria na Câmara --na terça (1º), o FiveThirtyEight, site especializado em estatísticas, indicava que eles têm 83% de chances de assumir o controle da Casa. O tamanho da bancada varia de acordo com a sondagem, mas no melhor cenário a oposição deve garantir até 247 dos 435 assentos --com 218 cadeiras o partido já consegue maioria.

A disputa no Senado está mais indefinida, com tendência também para o Partido Republicano, que pode conseguir 51 cadeiras, estima o agregador de levantamentos do FiveThirtyEight a poucos dias do pleito.

O que deve mudar se os republicanos conquistarem maioria no Congresso?

O impacto mais imediato será o de travar a pauta do governo Biden em questões caras aos democratas, como a agenda do clima, a facilitação do acesso ao aborto e o controle mais rigoroso de armas.

A expectativa em Washington também é a de que os republicanos instalem comissões de investigação, como a que apura o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, para avançar contra os democratas.

Entre as possíveis apurações estariam o processo de retirada das tropas americanas do Afeganistão ou um suposto uso político do Departamento de Justiça em processos contra Trump. Também cogita-se a abertura de uma ação de impeachment contra Biden. O Senado também é responsável por aprovar indicações do governo para uma série de cargos, o que ficaria comprometido.

Quais os estados-chave para ficar de olho nas midterms?

Quatro estados têm a corrida mais indefinida e podem definir o controle do Senado a partir de 2023.

Uma das disputas mais importantes é a da Pensilvânia, onde o candidato democrata, John Fetterman, chegou a abrir 12 pontos de vantagem sobre o rival republicano, o apresentador de TV Mehmet Oz.

Hoje, porém, ele aparece com apenas um ponto percentual à frente. Por isso, Biden, Obama e outros medalhões têm se envolvido na disputa, já que a cadeira atual é ocupada pelo republicano Pat Toomey.

Outra corrida apertada é a da Geórgia, em que o ex-jogador de futebol americano Herschel Walker, candidato pelo Partido Republicano, conseguiu virar a disputa na reta final e agora tem chances de roubar a cadeira do atual senador democrata Raphael Warnock, candidato à reeleição.

Em Nevada, a democrata Catherine Cortez Masto, que também disputa a reeleição, e o republicano Adam Laxalt, ex-procurador-geral do estado, aparecem há semanas com menos de 1 ponto de diferença.

Por fim, no Arizona, o astronauta e atual senador democrata Mark Kelly luta contra a impopularidade de Joe Biden no estado para ser reeleito na disputa contra o empresário trumpista Blake Masters. Também chama a atenção o fato de que, há poucas semanas, o republicano estava mais de 10 pontos percentuais atrás do democrata, mas ganhou força e se aproxima a cada nova pesquisa --hoje está 3 pontos atrás.

Outras disputas ao Senado para ficar de olho: New Hampshire, Wisconsin, Carolina do Norte e Ohio.

O que pesa mais para os eleitores?

Se os democratas têm alguma chance de manter o controle do Senado, pode-se atribuir à questão do aborto. As pesquisas em junho mostravam que a derrota do partido de Biden poderia ser acachapante.

Naquele mês, porém, a Suprema Corte reverteu uma decisão e definiu que a interrupção voluntária da gravidez não é um direito constitucional. A partir daí, um movimento inesperado chamou a atenção: candidatos que defendem o direito ao aborto ganharam tração, mesmo em estados mais conservadores.

Além do aborto, outro tema central é a inflação recorde, que no acumulado de 12 meses chega a 8,2%. O índice é ainda maior para categorias específicas: 11,2% na inflação de alimentos e 19,8% na de energia.

Há também os temas tradicionais da política americana, como imigração e violência armada.

Como são as midterms no cenário estadual?

No nível local, a eleição é bem mais complexa, e na prática há muitos pleitos ocorrendo, porque cada estado tem suas regras e não há uma autoridade eleitoral que define como será a disputa no país todo.

Em 8 de novembro, por exemplo, haverá eleições para governador em 36 dos 50 estados americanos. Outros 14 têm calendários diferentes --a Virgínia, por exemplo, elegeu seu governador no ano passado.

Além disso, ainda no nível estadual, os cargos em jogo variam de estado a estado. Em 17 deles há eleições separadas para vice-governador --na maioria dos locais, o vice é eleito junto com o governador, e no Tennessee e na Virgínia Ocidental um membro do Senado estadual é escolhido vice-governador.

Há 30 estados que elegem também o procurador-geral e 27 que selecionam secretários de Estado, cujas funções variam, mas em geral são responsáveis por organizar as regras das eleições.

Quais os estados-chave para ficar de olho nas eleições locais?

Uma das disputas mais interessantes do país hoje acontece na Geórgia, onde a democrata Stacey Abrams enfrenta o republicano e atual governador, Brian Kemp. A corrida chama a atenção por uma série de fatores. Abrams é uma das maiores ativistas pela ampliação do acesso ao voto de minorias e considerada uma das responsáveis pela vitória de Biden no estado em 2020 --crucial para sua eleição à Presidência.

Além disso, em 2018, Abrams e Kemp disputaram o governo, e o republicano ganhou com 50,2% dos votos, diferença de 0,4% para Abrams. Em 2020, ele foi alvo de ataques de Trump por ignorar os apelos contra a certificação da vitória de Biden. Neste ano, evitou o tema para não perder eleitores trumpistas.

Outra eleição que chama a atenção é a de Michigan, onde a atual governadora, a democrata Gretchen Whitmer, disputa o governo com a comentarista política ultraconservadora Tudor Dixon. Por lá, também será realizado um plebiscito sobre o aborto, o que ajudará a medir a aprovação popular sobre o assunto.

Ainda em Michigan, os eleitores também escolherão o secretário de Estado local. A candidata republicana, Kristina Kamaro, já apoiou as alegações falsas de Trump de que a eleição de 2020 foi fraudada --se vencer, poderá alterar as regras eleitorais do estado, o que pode influenciar na disputa presidencial.

Por que as eleições nos EUA acontecem às terças-feiras?

A legislação eleitoral americana estabelece, desde 1845, que a eleição para cargos federais ocorra "na terça seguinte à primeira segunda de novembro", o que neste ano significa que o pleito será no dia 8.

A definição remonta às tradições de uma sociedade agrária do século 19. Como para votar era preciso se deslocar até a sede do condado, o que poderia levar um dia de viagem, a terça-feira foi estabelecida para que os eleitores não perdessem a missa de domingo. Novembro foi escolhido por ser um período entre o final das colheitas e antes do inverno no Hemisfério Norte, cujas tempestades dificultam as viagens.

Hoje a definição soa fora de lugar, e há uma série de questionamentos sobre a manutenção do pleito em um dia útil. Para isso foram implementadas algumas alternativas, como o voto antecipado ou pelo correio, permitido em quase todos os estados do país. Assim, mesmo a expressão "dia da eleição" hoje não é exatamente precisa, já que as urnas ficam abertas por semanas em todo os EUA.