Rússia condena fala racista do papa sobre crueldade na guerra

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O papa Francisco envolveu-se em mais uma polêmica relativa à Guerra da Ucrânia. Após dizer que o Ocidente talvez tivesse culpa pela invasão russa do vizinho, o pontífice fez um comentário claramente racista acerca do comportamento das tropas de Vladimir Putin no conflito.

Em uma entrevista à principal revista jesuíta dos EUA, America, Francisco disse que os soldados não cristãos a serviço da Rússia são mais cruéis em combate do que os aderentes da fé ortodoxa majoritária do país de Putin.

"De forma geral, os mais cruéis são talvez aqueles que são da Rússia, mas não da tradição russa, como tchetchenos, buriatos e assim por diante", afirmou o papa, que é um jesuíta.

Dados levantados por ONGs de direitos humanos na Rússia apontam uma proporção maior de soldados vindos de partes do país com maiorias étnicas não russas em ação na Ucrânia.

No caso da Tchetchênia, república do Cáucaso de maioria muçulmana, isso é inclusive um ponto de venda do governo local de Ramzan Kadirov, um dos mais agressivos aliados de Putin. Seu canal no Telegram é coalhado de imagens de ações de seus homens em solo ucraniano, tendo tido um papel relevante na tomada de Mariupol (sul).

Já a Buriácia, uma república siberiana do Extremo Oriente russo, é conhecida pela alta adesão ao budismo tibetano (cerca de 20% da população) e a crenças xamanistas tradicionais dos mongóis que habitavam o local historicamente.

"Isso já não é mais russofobia, é uma perversão em um nível que eu nem sem nomear", afirmou a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, em sua conta no Telegram. "Nós somos uma só família, com buriátis, tchetchenos e outros representantes do nosso país multinacional e multiconfessional", afirmou.

Apesar de ser dominada pelo caráter eslavo e ortodoxo centrado em sua porção europeia, a Rússia é uma colcha de retalhos diversa em seus 95 entes federais. Do ponto de vista religioso, a ortodoxia russa reponde por cerca de 40% da fé declarada no país, com 6,5% de muçulmanos e 6,5% de outros cristãos como principais minorias.

Ouvida por agências de notícias, mesmo uma ONG em prol dos direitos dos buriatos e contrária à guerra, chamada Free Buryatia, criticou Francisco. "Eu fiquei extremamente desapontada ao ler essa declaração indesculpável e racista", afirmou Alexandra Garmajapova.

Segundo a agência RIA Novosti, a representação da Rússia junto ao Vaticano expressou sua "grande insatisfação" com a fala do pontífice.

Nem sempre foi assim: ninguém na Rússia reclamou quando ele afirmou, em uma entrevista, que a invasão foi "de certa forma provocada" pelo Ocidente. Antes, ele havia dito que a Otan, a aliança militar ocidental, estava "latindo nos portões da Rússia", o que poderia disparar o conflito.

Ao mesmo tempo, ele é um grande crítico do conflito, o que já levou a alfinetadas por Moscou --o regime de Putin é muito próximo da liderança da Igreja Ortodoxa Russa, a principal denominação cristã oriental do mundo. Ao mesmo tempo, Francisco deu sinais de aproximação com o Patriarcado de Moscou.