China se equilibra como sujeito oculto da Guerra da Ucrânia

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 4 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin e Xi Jinping apertaram as mãos em Pequim e declararam "parceria sem limites" entre a Rússia e a China. Vinte dias depois, o presidente russo invadia a Ucrânia e disparava a maior guerra em solo europeu desde o conflito mundial encerrado em 1945.

Um ano depois, o noticiário sobre a invasão girava em torno não só do atrito dos campos de batalha ou da retórica nuclear de Putin, mas muito sobre o papel da China. Para o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e o secretário-geral da Otan (aliança militar ocidental), Jens Stoltenberg, Pequim está prestes a armar o aliado.

Esse arco narrativo inclui inúmeros itens, como os alertas feitos por Joe Biden a Xi para que não se inspirasse em Putin para atacar a ilha autônoma de Taiwan ou o aumento exponencial da cooperação militar entre Moscou e Pequim, provando que a China permanece como o grande sujeito oculto neste primeiro ano da Guerra da Ucrânia.

Os EUA, rivais estratégicos declarados dos chineses na Guerra Fria 2.0 iniciada em 2017, têm insistido em explicitar o papel de Xi no contexto da guerra europeia. Pequim, por sua vez, insiste na ambiguidade e nega que irá interferir militarmente em favor do aliado.

Ambos os lados, de certa forma, têm razão. A China se recusa a condenar a invasão russa até hoje. Afirma querer mediar a paz e promete um plano para tanto --de fato, é talvez o único ator que poderia tentar assumir esse papel, já almejado pela Turquia e por Israel.

Na última sexta (24), aniversário de primeiro ano da agressão russa, chineses apresentaram uma proposta de paz absolutamente genérica, pedindo cessar-fogo e fim de sanções contra Moscou ao mesmo tempo. Foram rejeitados por Kiev e pelo Ocidente.

Por outro lado, se há relatos de insatisfação de Xi com Putin, ambos escalaram exercícios e patrulhas conjuntas, algo análogo à mentalidade de blocos da primeira Guerra Fria, entre EUA e União Soviética. E, ao aumentar em 48,6% a importação de hidrocarbonetos e produtos russos, chegando a um comércio bilateral recorde de US$ 190 bilhões (R$ 984 bilhões), Xi ajudou a custear a guerra.

Não sem pensar em si. Aufere vantagens econômicas com isso: petróleo mais barato, dado que o mercado europeu se fechou aos russos, e promessa de que o gás que deixou de ir para a Alemanha e aliados irá no futuro abastecer sua economia.

O balanço é delicado para Xi. O líder chinês, que firmou-se com um inédito terceiro mandato em 2022, enfrenta dificuldades econômicas domésticas significativas --que tenta reverter com o fim da política de Covid zero, que bagunçou cadeias produtivas, e com medidas no mercado imobiliário.

Sem ter como bancar uma crise de grandes proporções com os EUA, buscou uma aproximação a partir de um encontro com Biden em novembro, só para ver o esforço abatido juntamente com o balão chinês alvo de um avançado caça F-22 sobre os céus americanos na recente e algo burlesca crise dos óvnis.

Com generais dos EUA prevendo uma guerra com a China devido a Taiwan tão cedo quanto em 2025, a pressão cresce, o que explica as acusações sem provas de Blinken e Stoltenberg acerca de armas chinesas na Rússia.

Apesar da parceria sino-russa, que Putin sempre que pode chacoalha como um seguro contra a Terceira Guerra Mundial, a posição chinesa é ambígua pelos motivos citados. Há relatos, nenhum deles passível de confirmação, de que Xi não soube da invasão antes da hora, como a linha do tempo sugere, mas que esperava que uma queda rápida da Ucrânia robustecesse sua posição sobre Taiwan.

Seja como for, a ilha não é a Ucrânia, um país soberano invadido. O status taiwanês, território que a China comunista considera seu e diz que retomará de qualquer forma, é frágil mesmo em organismos como a ONU.

Para a retórica da Guerra Fria 2.0, tanto faz. Os EUA têm tentado empurrar a China para fora da sombra na Ucrânia, mesmo sem muito apoio entre seus parceiros europeus, que prezam o comércio com o gigante asiático. E têm aplauso entusiasmado de seus aliados asiáticos, o neomilitarista Japão à frente.

Se isso levará a uma acomodação ou a algo pior, transformando a invasão russa na primeira salva de um conflito maior, é a dúvida principal que talvez só Xi Jinping possa responder.