Apoio do Paraguai a Taiwan precisa ser reavaliado, afirma candidato Efraín Alegre
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - No próximo dia 30 de abril, Efraín Alegre, 60, tenta uma façanha: acabar com a hegemonia do Partido Colorado no Paraguai, legenda que governa o país desde os anos 1950, incluindo no período da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). A exceção foi a gestão inconclusa do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo (2008-2012), que sofreu um "impeachment" relâmpago que o tirou do poder em menos de 24 horas.
Lugo pensava em se candidatar neste ano para disputar a sucessão de Mario Abdo Benítez, mas problemas de saúde o afastaram do pleito --ele sofreu um AVC em agosto. A aliança da qual faz parte, a Frente Guasú, está na coalizão comandada por Alegre, que tenta pela terceira vez chegar à Presidência.
A gestão de Abdo Benítez vem sofrendo atropelos devido à própria divisão interna no Partido Colorado. Um setor da legenda, o Honor Colorado, liderado pelo ex-presidente Horacio Cartes, não o apoia integralmente e mais de uma vez ameaçou consentir com os pedidos de impeachment contra ele. Abdo Benítez foi alvo de intensas manifestações em 2021, reprimidas duramente pelas forças de segurança.
Presidente de 2013 a 2018, Cartes, dono de bancos, fábricas de cigarro e plantações de tabaco, é o mais poderoso empresário do país. Em razão de denúncias de corrupção, virou alvo de sanções dos EUA e não pode deixar o Paraguai. Seu ex-ministro da Economia, porém, lidera as pesquisas: Santiago Peña tem 46,2% das intenções de voto, e Alegre, 24,9% --os demais postulantes não somam mais de 10%.
À reportagem da Folha de S. Paulo, por telefone, o candidato afirma que a coalizão que representa reavalia o que fazer com o reconhecimento formal do Paraguai a Taiwan, ilha que a China considera uma província rebelde. O país sul-americano é um dos 14 que consideram o território asiático independente. "Para continuar a apoiar Taiwan, teríamos de obter mais compromissos. Vejo nosso apoio hoje com pouca contrapartida."
PERGUNTA - O senhor aparece bem atrás de Peña nas pesquisas. Por que pensa ser possível vencer o Colorado?
EFRAÍN ALEGRE - Essas pesquisas que estão sendo divulgadas não são confiáveis. Como o Colorado não está em condições de fazer campanha nas ruas, tamanho é o descontentamento com Cartes e Peña, essas pesquisas falsas são divulgadas por meios de comunicação que em sua maioria estão alinhados ao Colorado. Mas nossa aliança está nas ruas, fazendo campanha, e o que vejo é um desejo intenso de mudança.
PERGUNTA - Houve manifestações contra o Colorado na atual gestão e até uma tentativa de incendiar a sede da legenda, em Assunção. O que está em jogo nesta eleição?
EFRAÍN ALEGRE - Estamos entre entregar o Paraguai de uma vez a uma máfia corrupta ou recuperar a nossa democracia. O processo de tomada do poder dessa máfia começou em 2013, com a eleição de Cartes. Hoje, no país, a situação de questões relacionadas a crime organizado, contrabando e corrupção está ainda mais grave. O cartismo está envolvido em todas elas.
PERGUNTA - O último governo não Colorado do Paraguai, de Lugo, sofreu uma interrupção por meio de um impeachment questionado por vários países da região. O senhor não teme que isso volte a ocorrer?
EFRAÍN ALEGRE - É preciso ter coragem e capacidade de unir o país para evitar que isso aconteça novamente. Temos hoje uma aliança muito forte, muito variada. Trata-se do acordo mais importante entre agrupações políticas do país desde aquela ocasião, com mais de 40 partidos e organizações da sociedade.
PERGUNTA - Em alianças amplas com tantos interesses diferentes é difícil evitar o "toma lá, dá cá" na base de um governo. Como o senhor pretende fazer com que isso não aconteça?
EFRAÍN ALEGRE - É possível superar esse tipo de disputa por cargos quando se está propenso a um consenso amplo, como o que houve no Brasil, na eleição de Lula, para vencer Bolsonaro. Na Concertación [nome da coalizão que lidera], não haverá essa disputa porque temos o objetivo comum de derrotar o cartismo e estamos resolvendo nossas diferenças, que são muitas, por meio do diálogo. A ideia é formar um gabinete com os melhores de cada área e de distintos partidos. Tenho certeza de que teremos colorados decepcionados formando esse governo.
PERGUNTA - O senhor já tentou ser presidente duas vezes. Por que crê que agora será possível?
EFRAÍN ALEGRE - Porque vejo que a maioria dos paraguaios está conosco, porque entendo que o modelo de Cartes, representado por Peña, é inviável. O nível de descrédito internacional que tem, a quantidade de denúncias de corrupção e as sanções por parte dos EUA mostram que voltar a eleger esse grupo é condenar o Paraguai ao isolamento. E o Paraguai que queremos é um que estará aberto ao mundo. Nem sequer o empresariado que era aliado de Cartes está tolerando esse modelo, que afugenta os investimentos.
PERGUNTA - Neste sentido, como vê o apoio que o Paraguai dá a Taiwan?
EFRAÍN ALEGRE - É algo que estamos reavaliando, porque é um apoio que pressupõe uma escolha, uma exclusão de um parceiro importante, que é a China. Temos de pensar no que é melhor para o Paraguai e pensar num Paraguai aberto ao mundo. E, para continuar a apoiar Taiwan, teríamos de obter mais compromissos. Vejo nosso apoio hoje com pouca contrapartida.
PERGUNTA - E em relação ao Brasil? Como vê a parceria entre os países?
EFRAÍN ALEGRE - Com o Brasil o Paraguai tem uma agenda ampla, e temos certeza de que haverá apoio de Lula a um governo nosso. Tenho muito interesse de conversar com ele para tratar dos temas regionais e da integração da região com seriedade. Além disso, temos uma pauta de segurança muito importante para conversar, relacionada ao crime organizado nas nossas fronteiras, que cresceu nos últimos anos. Por outro lado, a hidrelétrica de Itaipu ainda está muito voltada ao Brasil, e o Paraguai deveria tirar mais proveito dela. Gostaríamos de repensar essa relação na pauta de energia, que está muito desigual e na qual o Paraguai está perdendo muito.
RAIO-X
Efraín Alegre, 60 Nascido em San Juan Bautista, é formado em direito pela Universidade Católica de Nossa Senhora de Assunção. Foi deputado federal de 2000 a 2003, ministro de Obras Públicas do governo de Fernando Lugo e hoje é presidente do Partido Liberal Autêntico do Paraguai.