Número de menores que cruzam Darién cresce 10 vezes
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "É a selva da morte, assim a descrevem". Andrés Puerta, 27, nascido em Medellín, na Colômbia, enfrentou nove dias no estreito de Darién, uma das rotas migratórias mais perigosas do mundo, para depois ir ao México, onde busca melhores condições socioeconômicas.
Na região entre a Colômbia e o Panamá, deparou-se com uma região que, como alertam especialistas há tempos, é de controle de grupos armados.
"Desde o início da selva, há gente que se aproveita dos imigrantes. Homens imponentes, armados, jovens e encapuzados que cobram US$ 200 só para começarmos o caminho."
Andrés testemunhou mudanças no perfil migratório. "Há muitas mães com às vezes dois filhos pequenos, um nas costas, outro no colo. É impressionante. E muitos nem as ajudam. Tocou-me muito a história de uma recém-nascida que morreu no colo da mãe no caminho", afirma ele.
A crise migratória em Darién escalou. Em janeiro e fevereiro deste ano, quase 50 mil migrantes cruzaram o estreito. O número é cinco vezes maior do que a cifra observada no mesmo período de 2022.
E chama ainda mais atenção o aumento no número de crianças e adolescentes: quase 17 mil nos mesmos dois dois meses, dez vezes mais do que o registrado no período do ano anterior. Se em 2022 eram cerca de 17% do fluxo migratório neste período, agora menores representam 35%.
Pesquisadores ainda tentam entender as razões do fenômeno. Mas apontam que há um claro reflexo do arrefecer da pandemia de Covid e, por óbvio, a crise econômica nos países da América do Sul, de onde parte a maioria dos migrantes para Darién.
"É um ?coquetel explosivo? de fatores e causas estruturais", diz Álvaro Botero Navarro, professor da Universidade Americana, nos EUA. "Para uma região que já tem problemas como altos níveis de pobreza e desigualdade, isso se agrava. Para muitos, a migração vem a ser uma opção normal de sobrevivência."
Mas Darién é apenas "porta de entrada para uma larga rota migratória que se estende até a fronteira sul dos EUA", explica Ligia Bolivar, pesquisadora do Centro de Direitos Humanos de Universidade Católica Andrés Bello, da Venezuela. Do estreito, migrantes passam por Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e México.
"Não houve um aumento proporcional no número de migrantes na fronteira americana, o que mostra que há um represamento ao longo da rota migratória. Essas pessoas estão ficando no meio do caminho. Não porque querem, mas porque não têm mais dinheiro, foram roubadas, sequestradas ou vítimas de outros tipos de abuso."
O território, como já admitiram os governos de Colômbia e Panamá, está de fora do controle dos Estados. Andrés, o colombiano que cruzou Darién em outubro, relata ter sido extorquido em cada acampamento que parava para descansar. Sem dinheiro, muitas vezes limpava o local em troca de um passe para seguir.
"O primeiro desafio é o cansaço físico. Mas sua vida corre muito risco. Se não der o que as pessoas que te extorquem pedem, você morre", conta. E, ao cruzar Darién, a realidade tampouco é fácil. Andrés relata ter sido hostilizado por policiais no Panamá e narra a passagem por com centros de migração insalubres. "Veem os migrantes como uma oportunidade de dinheiro fácil", diz, acrescentando que teve que pagar cerca de US$ 150 para entrar em cada um dos países da rota até o México.
O aumento do número de menores de 18 anos em uma rota perigosa, onde pelo menos 156 migrantes morreram ou desapareceram desde 2014 ?cifra da ONU reconhecidamente subnotificada? preocupa especialistas, que, no entanto, ainda não ventilam uma razão clara para isso.
"Parece ser resultado do fato de que muitas famílias, em especial haitianas e venezuelanas, chegam a Darién depois de passar anos em países como Brasil, Chile, Colômbia e Equador, onde não têm com quem deixar seus filhos", diz Juan
Pappier, subdiretor para Américas da Human Rights Watch.
Não há uma solução única para o desafio da chamada "selva da morte", frisam os especialistas. Mas, em consenso, eles apontam que é urgente uma articulação de países da América do Sul e dos Estados Unidos para legalizar rotas de migração.
"A resposta tem sido insuficiente", afirma Ligia Bolivar. "Não há, ao longo da rota migratória, bons centros de apoio para migrantes. O que há são centros de detenção."