Franceses usam até Britney Spears para protestar contra reforma da Previdência
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Ninguém pode duvidar da criatividade dos franceses em termos de greves, manifestações e protestos em massa. Para além dos confrontos com as forças de segurança e dos carros comumente incendiados, as palavras de ordem que ilustram cartazes e palavras de ordem contra a impopular reforma previdenciária do presidente Emmanuel Macron e de sua primeira-ministra Elisabeth Borne atestam essa característica.
"Aumente os salários, não a idade da aposentadoria" era o slogan usual das manifestações em 2022, quando a discussão em torno da reforma da Previdência estava apenas começando. A imposição do projeto nesta quinta-feira (16) fez com que a luta se tornasse ainda mais pessoal, como destacou o jornal francês Le Monde, e diversificou estratégias de protesto e frases de efeito que acompanham os atos.
Há espaço para o conhecido "On est là" ("Estamos aqui"), marca do movimento dos "coletes amarelos" -que protestou contra o reajuste das taxas sobre o combustível em 2018- mas também existem brechas para muitas modificações. "Mesmo que Macron não queira, estamos aqui! Pela honra dos trabalhadores e por um mundo melhor, mesmo que Macron não queira, estamos aqui!", era o grito ouvido nas ruas.
O Le Monde acompanhou as marchas em Paris e também destacou novas versões de clássicos da música que se transformaram em gritos de ordem na boca dos franceses. Para além do simples "aposentadoria aos 60: lutamos para conquistá-la, lutaremos para mantê-la", manifestantes chegaram a brincar com melodias de Céline Dion, do grupo Village People e de Britney Spears. Da última, o viral refrão "You better work, bitch" ("É melhor você trabalhar, cadela") ganhou um significado ainda mais irônico.
Nesta quinta, Macron lançou mão de uma estratégia polêmica e arbitrária para garantir sua reforma sem a necessidade do voto parlamentar. Ele recorreu ao artigo 49.3 da Constituição do país, que atropela discussões e votos da Assembleia Nacional e permite a aprovação automática de projetos de lei apresentados pelo governo.
Em geral, a reforma imposta prevê o aumento tanto da idade de aposentadoria, de 62 para 64 anos, quanto do tempo de contribuição para o recebimento integral do benefício, de 42 para 43 anos. A mudança, que impacta diversas categorias dos serviços público e privado, afeta de maneira significativa aqueles que trabalham como mão de obra em serviços pesados. Eles pedem: "aposentadoria antes da artrite".
Garis e demais agentes de limpeza de Paris -que deverão agora se aposentar aos 59 anos, não mais aos 57- expressaram sua aversão ao projeto por meio de uma greve que já dura 12 dias. Sem coleta de lixo, a cidade que é cartão postal do turismo acumula toneladas de dejetos, deixados ao ar livre.
Num momento em que a produção massiva de fotos e vídeos ditam as regras, viralizar é essencial para que uma mensagem alcance o maior número possível de pessoas. Para isso, os manifestantes abusam da criatividade em busca do melhor slogan capaz de traduzir a sua revolta.
Destacam-se os trocadilhos feitos com o sobrenome da primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne. Muitos cartazes foram estampados com "Borne out" (que pode representar tanto "Borne, fora!" como remeter ao distúrbio emocional burnout), "Borne to be dead" ("Nascida para morrer"), "Borne to kill" ("Nascida para matar"). Outros ainda usam a palavra francesa "les bornes" que significa "os limites". Um exemplo é a frase "Macron, você ultrapassa todos os limites".
Para o governo, a reforma é imprescindível para evitar a quebra do sistema previdenciário. Em janeiro, o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, divulgou que o projeto representaria uma economia de EUR 18 bilhões (cerca de R$ 101 bilhões) aos cofres públicos até 2030.
Enquanto isso, franceses vão às ruas vestidos de presidiários ou esqueletos, "presos" em seus "empregos eternos" ou mortos antes de se aposentarem.