Suécia prevê conflito arriscado e prolongado com a Rússia
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Candidata a se tornar o 32º membro da Otan, a Suécia acredita que a adesão à aliança militar do Ocidente é fundamental para enfrentar um conflito prolongado e arriscado com a Rússia de Vladimir Putin.
A avaliação foi feita à Folha de S.Paulo pelo secretário de Estado da Defesa do país, Peter Sandwall, em entrevista realizada na feira militar LAAD, no Rio. Ele falou também sobre o impacto da admissão no grupo para o Brasil, dono do maior contrato de exportação bélica do seu país.
Número 2 da pasta, ele diz acreditar que o veto da Turquia à entrada do país nórdico na Otan será ultrapassado até a cúpula da aliança marcada para julho em Vilnius, na Lituânia. "Temos de ser resilientes, porque a Rússia está se preparando para assumir riscos cada vez maiores", afirmou.
"A guerra se desenrola de uma forma que não podemos antecipar. Putin não tem respeito pela ordem internacional", disse.
A decisão sueca de aderir à Otan, rompendo 200 anos de tradição de não alinhamento, foi tomada em conjunto com a vizinha Finlândia em maio do ano passado. Para entrar no clube, todos seus membros têm de aprovar a admissão em seus Parlamentos, mas a Turquia de Recep Tayyip Erdogan dificultou as coisas, acompanhado pela Hungria de Viktor Orbán.
O caso finlandês foi resolvido na semana passada, mas a pendência sueca está aberta. Os turcos estão insatisfeitos com o que consideram proteção de Estocolmo a opositores do governo Erdogan. "Eu acredito que cumprimos tudo o que foi combinado no acordo [em que Ancara topou o ingresso sueco]", disse o secretário.
Questionado sobre o peso da eleição presidencial de maio na Turquia, em que Erdogan precisa parecer durão para o público interno, sobre o cronograma, Sandwall foi econômico. "É uma decisão turca, um processo político", afirmou.
O secretário diz que o pedido sueco estava a caminho desde 2015, um ano após Putin anexar a Crimeia da Ucrânia, uma das raízes da guerra iniciada em 2022. "Foi o ponto da virada. Passamos a ampliar nosso recrutamento e encomendas militares", afirmou. "Chegaremos perto dos 2% do PIB com defesa em 2026", afirmou.
Hoje, a Suécia gasta cerca de 1,4% do Produto Interno Bruto com defesa. "Entrar na Otan vai nos dar segurança", defende. E o temor de alguns suecos de que Estocolmo agora é um alvo óbvio em caso de conflito com a Rússia? "É genuíno, mas há um consenso no país sobre a decisão", diz.
"Risco de escalada sempre existe, nunca se sabe o que vai acontecer numa guerra. Estamos na pior situação de segurança mundial desde a Segunda Guerra Mundial", afirmou. Para ele, os riscos já aumentam agora, com a intensificação da movimentação de forças de seu país e da Otan na região do mar Báltico, dando margem a erros de cálculo em interceptações aéreas, por exemplo.
Ele sustenta, embora sem a mesma convicção de seu par finlandês em entrevista à Folha de S.Paulo na segunda (10), que a Suécia não irá sediar armas nucleares da Otan.
"A política de ser um país não nuclear e estar na Otan andam lado a lado na aliança", afirmou. Hoje, EUA, França e Reino Unido têm armas atômicas estratégicas, aquelas que visam definir guerras com alto poder de destruição, e a aliança opera armas táticas, de emprego mais limitado a alvos militares, em seis bases na Europa.
Sandwall acredita que a experiência operacional sueca na região do mar Báltico e sua indústria de defesa avançadas serão diferenciais para a Otan. "Temos capacidades únicas", afirmou. O país constrói de aviões de caça, no caso o Gripen comprado pelo Brasil, a submarinos e blindados, cortesia das décadas de neutralidade ensanduichados entre a Otan e a União Soviética e, agora, Rússia.
A integração à Otan abrirá o mercado dos membros a produtos suecos, mas também coloca desafios: os países da aliança caminham para operar em sua maioria caças americanos de quinta geração F-35, que derrotou o Gripen em duas concorrências de integrantes do clube (Finlândia e Canadá).
Será então o Gripen o último caça exclusivamente sueco, com implicações para o projeto no Brasil? "O Gripen vai voar até 2060, pelo menos, e seguirá sendo atualizado", desconversa Sandwall, que vê com bons olhos o aprofundamento da aliança entre a fabricante do avião, a sueca Saab, e sua parceira brasileira Embraer, que coproduzirá o aparelho.
Na terça (11), ambas as empresas anunciaram que vão promover em conjunto o avião de transporte brasileiro KC-390, mirando inicialmente a Força Aérea Sueca. "O 390 definitivamente está sendo analisado. A decisão, contudo, não deve sair tão cedo", afirmou Sandwall. A Suécia opera hoje cinco antigos C-130 Hércules americanos.
Para o secretário, a eventual entrada na Otan poderá estreitar laços da aliança com o Brasil por meio da grande troca já existente com a Suécia, mas ele evita falar em negócios. O KC-390 já foi comprado por três membros da Otan.
Para o secretário, a indústria sueca, e europeia em geral, tem um grande desafio em duas velocidades. Primeiro, no curto prazo, ampliar a capacidade de produção já existente, particularmente em munição. "A Ucrânia tem gastado em dois, três meses, toda a produção ocidental de um ano", afirmou.
A União Europeia lançou um plano de EUR 2 bilhões (R$ 10,8 bilhões) para ampliar a produção de obuses, visando manter o esforço de guerra da Ucrânia sem prejudicar ainda mais os arsenais locais. "Isso vai levar anos", disse Sandwall.
No longo prazo, ele vê a necessidade de investimentos em novas tecnologias, no campo cibernético em especial. Ele não chega a dizer que a Europa precisa fazer frente à superioridade americana, dona de 40% do orçamento militar do mundo, mas afirma que o continente precisa "se reforçar".
"Os laços transatlânticos são importantes", afirmou, preferindo não falar sobre as dificuldades que a grande relação comercial da União Europeia com a China, rival estratégica dos EUA na Guerra Fria 2.0 e aliada da Rússia, lança sobre o cenário.
Do ponto de vista prático, ele diz que Estocolmo está pronta para aderir. "Treinamos juntos há anos, e temos já a experiência com nossos vizinhos", afirmou, referindo-se à unificação operacional das Forças Aéreas dos quatro países nórdicos, anunciada no mês passado.