Três anos após morte de George Floyd, reforma policial avança em estados, mas trava em Washington

Por THIAGO AMÂNCIO

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Há três anos, as imagens da morte de um homem negro sufocado por um policial branco no interior dos Estados Unidos chocavam o mundo e se tornavam o gatilho para protestos e pedidos de reforma policial. "Não consigo respirar", o pedido de socorro de George Floyd ao ser asfixiado por nove minutos pelo policial Derek Chauvin em Minneapolis, virou lema das manifestações em massa contra o racismo.

Mas a grande transformação na estrutura e na responsabilização das polícias no país não veio, apesar de avanços em alguns estados, e episódios de violência policial continuam frequentes no país, como a morte neste ano de Tyre Nichols pela polícia de Memphis, no Tennessee, após uma abordagem de trânsito.

O governo americano não tem uma contagem nacional de quantas pessoas a polícia mata por ano, e esse levantamento fica a cargo de pesquisadores independentes, em meio ao complexo e descentralizado sistema de aplicação da lei no país --há cerca de 18 mil instâncias policiais diferentes e independentes umas das outras, em um sistema que inclui do FBI a xerifes de condados, departamentos subordinados a prefeitos e unidades que atuam em escolas ou universidades.

De acordo com o portal Mapping Police Violence, da ONG Campaign Zero, que milita pela reforma da polícia, houve 1.238 mortes provocadas pela polícia em 2022 nos EUA, maior número desde o começo do monitoramento, em 2013. De janeiro a 31 de março deste ano, foram 301 mortes. Segundo o levantamento, considerando as proporções e a parcela da população que representam, uma pessoa negra tem 2,9 vezes mais chance de ser morta pela polícia do que uma pessoa branca. No Brasil, a polícia matou 6.145 pessoas em 2021, dado mais atualizado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em 2021, em seu primeiro ano de governo, Biden tentou aprovar a "Lei George Floyd por justiça no policiamento", que permitia que o Departamento de Justiça convocasse polícias locais para prestar esclarecimentos, criava um registro nacional de ações disciplinares contra agentes, exigia o uso de câmeras de segurança nos uniformes dos agentes e em viaturas e proibia o uso de técnicas de estrangulamento, entre uma série de outros pontos.

O projeto foi aprovado na Câmara, mas barrado no Senado, onde Biden tinha maioria apertada (apenas o voto de desempate). O presidente tentou retomar a pauta outras vezes, inclusive após a morte de Nichols, neste ano, quando pediu aprovação no discurso do Estado da União ao Congresso, mas ficou ainda mais difícil agora que não tem o controle da Câmara.

Para Angie Weis Gammell, professora de direito na Universidade Duke, considerando as limitações que o governo federal tem no Congresso e a falta de apoio na Suprema Corte, de maioria conservadora, resta à gestão Biden direcionar esforços a programas já existentes. "Pode haver uma mudança de prioridades e alocação de recursos em programas que incentivem estados a mudarem suas práticas. Mas, claro, isso não é tão forte quanto uma mudança de legislação nacional."

Pacotes de estímulos do governo já usavam incentivos financeiros para promover mudanças. O pacote de resgate econômico de US$ 1,9 trilhão que Biden aprovou em 2021 incluía US$ 1,2 bilhão para unidades de polícia que trabalham com intervenções em crises de saúde mental. No ano passado, a "lei de treinamento de desescalada na aplicação da lei", bipartidária, também foi aprovada prevendo US$ 124 milhões para financiar o treinamento de abordagens mais humanizadas em quatro anos.

É uma estratégia quase oposta à pauta de retirar a verba das polícias, que manifestantes de esquerda encamparam nos protestos que se seguiram à morte de Floyd, mas que tem pouco apoio entre a população. Pesquisa de 2021 do Pew Research Center apontou que só 15% dos americanos defendem diminuir o financiamento das polícias, enquanto 47% defendem aumentá-lo.

Apesar disso, a maioria expressiva dos americanos afirma que é preciso haver uma transformação no policiamento, segundo pesquisa do instituto Gallup do ano passado. Ao todo, 89% defenderam mudanças, dos quais 50% advogaram alterações profundas na forma como a polícia age. Entre as pautas com mais apoio estão a exigência de que os agentes tenham boas relações com a comunidade (95%), punir abusos de poder (91%) e uso excessivo da força (81%) e promover abordagens menos violentas (78%).

Enquanto uma medida federal robusta não sai do papel, polícias locais promovem reformas a passos mais lentos. Em março deste ano, Minneapolis, onde Floyd foi morto, aceitou fazer uma reforma policial após a prefeitura chegar a um acordo com o Departamento de Direitos Humanos de Minnesota. O estado processava a administração desde o ano passado após uma investigação apontar que a polícia agia "com um padrão de discriminação racial".

O acordo inclui mudanças nos manuais de abordagem de pessoas em crises mentais ou de comportamento, empregando estratégias de distensionamento de crises. Também há medidas mais pontuais, como a proibição de abordar um motorista por problemas mecânicos simples, como farol quebrado, ou fazer uma busca corporal em alguém apenas por terem sentido cheiro de maconha. Após a morte de Floyd, o departamento de polícia já havia proibido o enforcamento em abordagens.

Do assassinato em Minneapolis ao ano passado, ao menos 25 estados e a capital, Washington, também haviam proibido técnicas de enforcamento, e 20 unidades da federação aplicaram normas restringindo o uso da força, segundo a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais (NSCL).