Sem adesão, Zelenski pede mais armas para a Otan
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, voltou a criticar nesta quarta (12) a falta de um cronograma de adesão à Otan, agora em uma entrevista ao lado do secretário-geral da aliança militar ocidental, Jens Stoltenberg. Mas baixou o tom da véspera e, conformado, disse que lhe faltam armas de longa distância para combater a invasão russa, iniciada há 504 dias.
"Nós não vemos nenhum dos membros da Otan aqui em guerra, que estejam morrendo, sofrendo, defendendo seu próprio país. Por isso entendemos que as melhores garantias para a Ucrânia são estar na Otan", disse Zelenski.
Na terça (11), ele havia dito antes de viajar para a reunião de cúpula da Otan em Vilnius (Lituânia) que a falta de um cronograma ou convite formal para ingressar no clube de 32 membros liderado pelos EUA era "um absurdo".
Ao longo do dia, quando ficou claro que a pressão não ia resultar em nada além de mais promessas e ajuda militar em um comunicado formal, Zelenski foi assumindo uma postura menos aguerrida, agradecendo a ajuda dos aliados que sustentam seu esforço contra as forças de Vladimir Putin. Nesta quarta, o tom conformista foi dado.
"Ninguém quer uma guerra mundial, nós somos civilizados boas pessoas. Entendemos, é absolutamente claro" que não é possível entrar na Otan estando em guerra, disse Zelenski. "Claro que garantias, documentos, encontros de conselho são importantes, mas a tarefa mais importante agora é assegurar armas suficientes para o presidente Zelenski e suas Forças Armadas", afirmou o norueguês Stoltenberg, recém-conduzido a mais um ano no cargo que ocupa desde 2014.
O secretário-geral voltou a dizer que a "a Ucrânia está mais perto do que nunca" da Otan, ressaltando a criação do conselho entre a entidade e o país em guerra, além do fato de que foi removido um instrumento chamado MAP, que obriga anos de análises de eventuais acessos ao clube. Nas suas palavras, agora só faltará um passo, não dois para um ingresso futuro.
Zelenski afirmou que "o déficit continua" no campo das armas de longa distância. Na véspera, a França havia prometido fornecer mísseis de cruzeiro SCALP-EG, similares aos Storm Shadow já enviados pelo Reino Unido. São armas de precisão com alcance que varia, mas fica entre 250 km e 300 km.
Há grande estoque na Otan desses mísseis: antes da guerra, estima-se que havia 850 deles com Londres, 450 com Paris, além de 190 com a Itália e 180, com a Grécia. Mas essas são armas caras R$ 15 milhões a unidade, e Zelenski parece estar de olho em outro modelo mais atrativo: o MGM-140 ATCMS (Sistema de Míssil Tático do Exército) americano, que custa talvez metade do preço.
Ele é mais fácil de operar, sendo lançado de terra e não de aviões, que estão em falta para Kiev. É um míssil balístico com 300 km de alcance e alta precisão. O presidente Joe Biden tem relutado em fornecer tais armas, temendo que sejam usadas contra território russo, como nos bombardeios constantes a Belgorodo (fronteira com a Ucrânia).
Zelenski irá falar sobre o tema na reunião que terá agora com Biden. Na entrevista, ele agradeceu o americano por ter tomado a "desafiante" decisão de enviar bombas de fragmentação para seu país empregar na contraofensiva que se arrasta desde o começo de junho.
As armas são proibidas por 111 países, 23 deles da Otan, e muitos criticaram os americanos pelos riscos à população após seu uso ?pequenas bombas no interior de projeteis se espalham pelo ambiente, e muitas não detonam, tornando-se um risco perene após os canhões se calarem.
O conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, disse à rede CNN que o chefe seria "franco" em sua explicação sobre o veto até aqui a Kiev na Otan. "É um fato inescapável" que admitir a Ucrânia agora significaria "guerra com a Rússia", disse. É óbvio: as regras do clube obrigam os aliados a ir em defesa de qualquer membro em conflito, a guerra de um é a guerra de todos.
O desempenho ucraniano na sua ação é o sujeito oculto das reservas ocidentais. Só vocalizaram apoio à entrada imediata da Ucrânia, ou ao menos um cronograma firme, Reino Unido e países do leste do bloco, como a Polônia. Os gigantes EUA, Alemanha e França capitanearam a prudência.
Seja como for, Zelenski não saiu de mãos vazias. Berlim ofereceu um suculento pacote de R$ 3,8 bilhões com mais 40 blindados e 25 tanques, ainda que modelos antigos reformados, além de outras armas. A França prometeu mísseis, que se vierem em boa quantidade podem fazer diferença, Reino Unido, Austrália e outros fizeram anúncios menores. Os desejados caças americanos F-16, por ora, estão só no horizonte.
A principal derrota política de Putin na cúpula, contudo, foi o fim do veto turco à entrada da Suécia na aliança, o que ainda deverá demorar um pouco, mas coloca fim à novela iniciada no ano passado. Em troca por seu gesto, Recep Tayyip Erdogan engorda seu capital político, deverá enfim receber caças F-16 dos EUA, poderá ver reabertura de negociações de adesão à União Europeia e provavelmente terá mais pressão sobre dissidentes de seu país na Suécia.
Putin, por sua vez, nada pode fazer além de reclamar, dado que hoje depende mais da amizade de Erdogan, que não adotou sanções contra a Rússia e tem diversos negócios em comum. Com efeito, a queixa do dia do Kremlin foi vaga, sobre a Otan "aumentar a insegurança e os riscos" com as promessas de garantias à Ucrânia.
CHINA VOLTA A PROTESTAR, MAS DE FORMA PROTOCOLAR
Nesta quarta, a China voltou a protestar contra os termos do comunicado da cúpula da Otan, que classificam as ações do país asiático como um desafio à segurança do bloco. O porta-voz diplomático Wang Wenbin disse que isso não passa de provocação.
Mas foi protocolar, assim como a queixa da missão junto à União Europeia da véspera. O fato é que as frases estão lá, mas a disposição mais agressiva promovida pelos EUA, rivais de Pequim na Guerra Fria 2.0, foram atenuadas principalmente por pressão europeia ?países como França e Alemanha priorizam as relações comerciais com os chineses.
Com efeito, a abertura esperada de um escritório da Otan em Tóquio foi deixada de lado por ação francesa. Stoltenberg ainda tentou dourar a pílula, assinando um memorando com o premiê Fumio Kishida e chamando o país asiático de principal aliado do bloco na região.
Kishida e líderes da Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia foram a Vilnius, na segunda vez seguida que o grupo chamado Ásia-Pacífico-4 é chamado para uma cúpula da Otan. Mas o tom geral ficou bem mais ameno do que se esperava, até porque Biden está em um processo de normalização relativa de laços com Xi Jinping.