Republicanos usam Orçamento da Defesa como campo de batalha de guerra cultural nos EUA

Por THIAGO AMÂNCIO

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Em uma demonstração da força da ala mais à direita do Partido Republicano, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou emendas ao orçamento militar que preveem restrição ao acesso ao aborto de militares e a serviços de saúde para pessoas transgênero, além de ações para aumentar a diversidade das tropas.

O orçamento estabelece as prioridades militares do ano fiscal seguinte, que começa a partir de outubro, e tradicionalmente tem apoio bipartidário. Mas desta vez foi diferente: 219 votos favoráveis e 210 contrários, placar próximo à divisão da Casa, que tem 222 republicanos e 212 democratas ?ainda que quatro democratas tenham votado a favor da lei, e quatro republicanos, contra.

Para se ter uma ideia, no Comitê de Forças Armadas, onde a lei foi discutida inicialmente, a aprovação se deu por 58 votos contra 1, antes das emendas mais controversas serem adicionadas.

A falta de apoio bipartidário ameaça a aprovação do projeto no Senado, hoje controlado pelos democratas. Se não chegarem a um acordo, essa pode ser a primeira vez em 60 anos que o Legislativo americano não aprova seu orçamento militar.

O texto prevê US$ 886 bilhões (R$ 4,2 trilhões) para gastos militares no ano que vem, com um aumento de 5,2% em gastos com salários, além de investimentos em armamentos de alta tecnologia (como mísseis de precisão e hipersônicos) e inteligência artificial.

Mas, em meio à Guerra da Ucrânia e à disputa com a China no cenário global, foram as guerras culturais que provocaram os maiores debates, após o Freedom Caucus (bancada da liberdade), ala da ultradireita do Partido Republicano, forçar a votação das emendas e mostrar seu poder de influência sobre o presidente da Casa, Kevin McCarthy.

"O que antes era um exemplo de compromisso e governo funcional virou uma ode ao fanatismo", disse o democrata Adam Smith, do Comitê das Forças Armadas. "Ataques aos direitos reprodutivos, acesso a cuidados básicos de saúde e esforços para lidar com a história de racismo e marginalização de grande parcela do país vão piorar nossa crise de recrutamento e retenção, tornando as Forças Armadas menos capazes e prejudicando nossa defesa e segurança nacional."

Republicanos afirmaram que a promoção de políticas de diversidade não deveria ser prioridade para as tropas. "As Forças Armadas nunca tiveram a intenção de ser inclusivas. Sua força não é sua diversidade. Sua força são seus [altos] padrões", disse o republicano Eli Crane.

Uma das emendas que mais geraram confronto foi a que proíbe o Departamento de Defesa de pagar ou reembolsar despesas de militares com aborto. Desde que a Suprema Corte mudou o entendimento de que o aborto era um direito constitucional, e estados proibiram a prática, o Pentágono passou a cobrir gastos de viagens de militares que quisessem interromper a gravidez. Agora, segundo o texto aprovado pelos deputados, isso não será mais possível.

Outra medida foi impedir que o governo banque processos de hormonização e cirurgias de redesignação sexual para militares transgênero. Reportagem de 2021 do portal especializado Military.com apontou que o Pentágono gastou US$ 15 milhões nos cinco anos anteriores com o tratamento de 1.892 agentes.

Outra emenda aprovada proíbe livros com "material pornográfico" e "ideologia radical de gênero" nos acervos do Pentágono, sem definir o que seria essa última categoria. Há ainda medidas contra a adoção de ações afirmativas para aumentar a diversidade das tropas.

Os republicanos também perderam algumas votações, como uma que previa a proibição do envio de assistência militar à Ucrânia, que recebeu apenas 70 votos ?os deputados mais à direita do partido pressionam pela redução de gastos do governo com o conflito europeu.

Do lado democrata, não passaram propostas para aumentar a assistência a filhos de militares ou encerrar políticas de teste de maconha para recrutas. A maior parte das 1.558 emendas apresentadas nem sequer chegou a ser levada ao plenário.

Uma delas foi a da democrata Alexandria Ocasio-Cortez, que propôs que o governo liberasse os documentos da inteligência americana sobre a ditadura militar brasileira.

Ela pedia relatório sobre o envolvimento dos EUA no golpe de 1964 ou conhecimento prévio das possibilidade de os militares tomarem o poder, além de informações de inteligência entre os anos de 1964 e 1985 sobre o envolvimento dos militares brasileiros em assassinatos, torturas, desaparecimentos e prisões arbitrárias, bem como sobre a morte de indígenas por violência direta ou negligência.