China e Ucrânia aproximam Biden de Meloni em ida da ultradireitista à Casa Branca

Por THIAGO AMÂNCIO

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O que a China e a Guerra da Ucrânia unem, as divergências ideológicas não separam, ao menos no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, nesta quinta (27), quando o presidente dos EUA, Joe Biden, recebeu a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.

Segundo a Casa Branca, na pauta estavam "interesses estratégicos comuns, incluindo o compromisso de continuar apoiando a Ucrânia diante da agressão da Rússia, desenvolvimentos no Norte da África e uma coordenação transatlântica mais estreita em relação à China".

Primeira líder de ultradireita eleita na Itália desde a Segunda Guerra, Meloni já foi elogiada pela ala mais radical dos republicanos e até participou, de forma remota, de um evento com Donald Trump, quando ambos discursaram numa conferência da direita radical da Espanha em outubro passado. Ela também viajou para uma edição da CPAC, a meca da direita radical americana, na Flórida, no ano passado.

Do outro lado, Biden mostrava preocupação. Em campanha de arrecadação de fundos no fim de setembro, pouco após a eleição que levou Meloni ao poder, ele alertou a plateia para os perigos das ameaças à democracia pelo mundo e citou o pleito italiano.

"Você acabou de ver o que aconteceu na Itália. Você está vendo o que está acontecendo ao redor do mundo. E a razão pela qual eu me preocupo em dizer isso é que não podemos ser complacentes sobre o que está acontecendo aqui também", disse na ocasião.

Em ato falho, John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, confundiu-se durante entrevista e disse nesta quarta (26) que a visita era uma oportunidade para "reafirmar o longo relacionamento bipartidário" --expressão usada no país para se referir a democratas e republicanos. Na sequência, corrigiu-se e disse que quis dizer "bilateral".

Mas as posições de Meloni na política externa, como sua defesa do papel da Otan (aliança militar ocidental), da importância de fortalecer a Ucrânia e a disposição de evitar negócios com a China, a aproximaram de Biden muito mais do que os dois lados esperavam. Enquanto isso, no campo doméstico, ela encampou as chamadas guerras culturais e avançou sobre direitos da população LGBTQIA+.

No pouco do que se conversa no Salão Oval em frente a jornalistas, Meloni afirmou que os dois países mantêm laços "sólidos, apesar das diferenças políticas" e que a Guerra da Ucrânia fez com que decidissem "defender juntos o direito internacional". Já Biden tentou descontrair o ambiente e citou a ascendência italiana de sua esposa, Jill.

Aproxima os dois líderes, sobretudo, a resistência a Pequim. A Itália aderiu em 2019 à Nova Rota da Seda, iniciativa de investimento em infraestrutura em outros países feita como promoção da influência do Partido Comunista Chinês, sob críticas de Washington.

O acordo precisa ser renovado em março do ano que vem, e Meloni já indicou que não pretende fazê-lo. A dúvida é sobre o quanto o acordo foi benéfico para o país, que exporta à China hoje US$ 18,1 (R$ 86 bi). Já para os EUA, o volume de exportação no ano passado foi de US$ 69 bilhões (R$ 327 bi).

Joe Biden e Giorgia Meloni se encontraram em diferentes ocasiões, como em reunião do G20 em Bali e do G7 em Hiroshima, neste ano, quando tiveram longas conversas amistosas, segundo interlocutores do governo relataram à imprensa americana, que renderam o convite para a visita desta quinta-feira.

Antes de ir à Casa Branca, porém, Meloni reuniu-se com políticos republicanos no Congresso e posou para fotos com o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, que nesta semana ameaçou a abertura de um processo de impeachment contra Biden.

"Meloni e Biden estão mais alinhados do que muitos observadores podem pensar", escreveu em artigo nesta semana Valbona Zeneli, pesquisadora do Atlantic Council e professora do Centro Europeu de Estudos Estratégicos George C. Marshall. "Suas ações têm demonstrado claramente um compromisso pragmático e inequívoco baseado em valores com o relacionamento transatlântico. O que ela faz é o que importa, não o que os outros dizem sobre ela."

Nesse mesmo movimento de aproximação de políticos de outros campos ideológicos, Meloni recebeu em junho o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na sede do governo, em Roma, apesar de tê-lo criticado por anos enquanto esteve na oposição.