Congresso dos EUA vai discutir abertura de arquivos sobre a ditadura brasileira

Por FERNANDA PERRIN

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Como parte da campanha de pressão para que o governo americano retire o sigilo de documentos referentes à ditadura brasileira, uma sessão sobre o assunto será realizada no Congresso dos EUA em parceria com o gabinete da deputada democrata Nydia Velázquez.

A iniciativa é promovida pelo think tank Washington Brazil Office, uma das 16 organizações que assinaram uma carta enviada ao presidente Joe Biden em julho solicitando a divulgação do material.

O briefing acontece de maneira virtual no dia 5 de dezembro, e terá a participação do brasilianista James Green, presidente do conselho consultivo do Washington Brazil Office, de Maria Hermínia Tavares de Almeida, cientista política e colunista da Folha de S.Paulo, e de Gabrielle Abreu, da coordenadora do Instituto Vladimir Herzog.

Há precedentes para que os documentos sejam divulgados. Em agosto, o Departamento de Estado americano divulgou uma nova leva de arquivos, até então confidenciais, com os relatórios repassados ao presidente Richard Nixon no período que antecedeu e no dia do golpe militar no Chile, em 1973.

A liberação ocorreu poucas semanas antes de o evento completar 50 anos. Em 2024, o golpe militar no Brasil completa 60 anos.

"A retirada do sigilo de documentos é um processo complexo que envolve diversas agências, no qual o governo considera muitos fatores, incluindo segurança nacional, proteção de fontes e métodos, e outros riscos e benefícios de divulgar uma informação específica", explicou a pasta, equivalente ao Itamaraty brasileiro, na época.

Procurado pela reportagem, o Departamento de Estado reforçou a complexidade da abertura dos documentos, e que a avaliação é feita considerando vários fatores. Um oficial da pasta afirma que, por enquanto, não há nenhuma previsão de divulgação dos arquivos referentes à ditadura brasileira.

Velázquez, que esteve em agosto no Brasil, no Chile e na Colômbia, integrando uma comitiva de deputados de esquerda, afirma que todos esses países carregam "sequelas substanciais das decisões de política externa e envolvimento dos EUA ao longo do último século".

"O apoio americano para a derrubada da democracia brasileira e a ditadura militar de 21 anos subsequente são um exemplo dessa dinâmica. Para facilitar a verdade e o processo de reconciliação, e construir uma relação mais forte entre os nossos países, nós precisamos de transparência sobre o papel dos EUA no golpe e no apoio à ditadura militar", afirma a democrata.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em julho, James Green antecipou que preparava, em conjunto com ativistas e organizações nacionais, um pedido para que os EUA liberem cerca de mil arquivos secretos que podem revelar a atuação do país no golpe de 1964.

"Acreditamos que a transparência na descoberta destes registros históricos é essencial para promover relações diplomáticas informadas, promover a responsabilização e obter uma compreensão mais profunda desta história partilhada", afirma o historiador, em nota sobre a sessão no Congresso.

Além do WBO, assinaram a carta enviada a Biden as organizações Ação da Cidadania Associação Nacional de História; Artigo 19; Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social; Center for Economic and Policy Research; Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia; Coletivo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça; Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação; Comissão Arns; Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos; Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia; Instituto Vladimir Herzog; Movimento de Justiça e Direitos Humanos; Núcleo Memória de SP; e Opening the Archives Project (Universidade Brown).

Em julho, a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez fez um pedido semelhante, para que um relatório sobre o envolvimento de Washington no golpe de 1964 fosse apresentado. A demanda foi apresentada por meio de uma emenda ao projeto de orçamento anual de Defesa dos EUA. O texto final aprovado, no entanto, não inclui essa previsão.

A participação dos EUA já foi documentada por historiadores. O embaixador dos EUA no Brasil em 1964, Lincoln Gordon, propôs o envio de uma força naval para a costa brasileira para ajudar as tropas que derrubariam João Goulart (1961-1964), na Operação Brother Sam. A ação foi aprovada pelo governo Lyndon Johnson, mas Goulart caiu antes que os navios chegassem.

Também está registrado o conhecimento dos EUA das violações de direitos pelo regime. Arquivos da embaixada americana de 1975-1976 publicadas pelo WikiLeaks apontaram que a Casa Branca sabia das violações de direitos humanos, mas as minimizavam como exceções para justificar a continuidade do apoio e de treinamento militar das forças brasileiras. Os Estados Unidos também deram apoio à Operação Condor, que criou uma rede para operações coordenadas de repressão nas ditaduras do Cone Sul.