Eleição de Trump ameaçaria democracia do continente, diz diretora da Open Society

Por PATRÍCIA CAMPOS MELLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As Américas realizam sete eleições gerais neste ano, e a que mais desperta preocupações na Open Society, fundação do bilionário George Soros que apoia causas progressistas, é a dos Estados Unidos, em novembro.

Segundo Heloísa Griggs, diretora-executiva interina da Open Society para América Latina e Caribe, uma vitória do ex-presidente Donald Trump fortaleceria a ultradireita no continente e poderia colocar a democracia em xeque em vários países.

"Os EUA tiveram um papel histórico complicadíssimo na região com apoio a governos autoritários, mas, na gestão Biden, nessas duas situações [eleição do Brasil e da Guatemala), o país atuou em defesa da democracia. Isso teria sido muito diferente se não fosse um governo Biden", afirma. Leia abaixo a entrevista concedida à Folha de S.Paulo.

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PERGUNTA - Das sete eleições nacionais nas Américas neste ano (El Salvador já ocorreu e ainda haverá República Dominicana, México, Panamá, EUA, Uruguai e Venezuela), qual lhe causa mais preocupação?

HELOÍSA GRIGGS - Não tem como não falar nos Estados Unidos. As eleições americanas sempre afetam a região, mas, neste ano, têm uma dimensão muito maior. Durante anos, existia a ideia de que grupos minoritários votavam mais nos democratas. A população negra e a latina iam se tornar a maioria demográfica nos EUA, e elas apoiavam os democratas. Só que as eleições recentes mostraram que isso não se confirmou, e os negros têm apoiado cada vez mais os republicanos. Isso tem a ver com o fato de o Partido Democrata, que se identificava como a legenda da classe trabalhadora, ser visto como cada vez menos focado nos direitos dos trabalhadores. Há também preocupações mais específicas: a população jovem está desmobilizada por discordar da política externa com Israel.

Existe uma incógnita nos Estados Unidos, a questão econômica. O consenso sempre foi de que, se a economia vai bem, isso ajuda o candidato. Só que, agora, a economia está relativamente bem, mas não se traduz em aprovação ao governo. Não está claro se a população ainda vai sentir a melhora econômica e isso vai se refletir em apoio, ou se, de alguma maneira, o momento extremamente polarizado que vivemos faz com que a questão econômica tenha menos impacto do que tinha.

P. - Os Estados Unidos tiveram um papel importante na defesa da democracia no Brasil em 2022, ao sinalizar ao governo Bolsonaro que não apoiaria contestação do resultado eleitoral. Se o ex-presidente Donald Trump vencer em novembro, considerando que ele abraçou teses golpistas, que impacto isso teria para a democracia nas Américas?

H. G. - Durante o primeiro governo de Trump fortaleceu-se uma aliança entre governos de extrema direita na América Latina e na Europa. Sabemos que nos segundos mandatos de governos autoritários se dá o desmantelamento das instituições democráticas. Eu imaginaria, num segundo governo Trump, um fortalecimento dessa articulação regional com outros líderes de extrema direita que estão no governo ou tentando voltar. Tivemos dois exemplos, em 2023, de resiliência democrática na região: a tentativa de golpe que culminou no 8 de janeiro em Brasília e, na Guatemala, a vitória de um partido pequeno e fraco que chegou ao segundo turno. Os EUA tiveram um papel histórico complicadíssimo na região com apoio a governos autoritários, mas, no governo Biden, nessas duas situações, o país atuou em defesa da democracia. Isso teria sido muito diferente se não fosse um governo Biden. Um governo Trump teria um impacto muito concreto para as eleições e a democracia na região.

P. - Por que Trump continua tão popular?

H. G. - Trump joga muito bem com os medos da sociedade nos EUA. A questão que ele tem usado de forma mais eficiente, sem dúvida, é a imigração. Até prefeitos democratas estão pressionando o presidente, reclamando que os serviços públicos das cidades não dão conta dessa população migrante. Outro fator muito utilizado é a reação da sociedade ao policiamento e ao papel da polícia em meio à mobilização por justiça racial. Republicanos têm se aproveitado disso para instilar medos. Os democratas têm uma capacidade maior de expressar o que nós somos contra, mas dificuldade de articular propostas. Progressistas ficam muito dependentes dessa aliança contra a extrema direita, sem ter muita agenda propositiva.

P. - Qual sua expectativa na Venezuela? Vários candidatos da oposição foram desqualificados. Será possível ter eleições livres e justas?

H. G. - Os EUA desempenharam um papel não construtivo por muitos anos na Venezuela, com sanções muito fortes que afetavam de maneira negativa a população e não ajudavam a encontrar uma solução política. Agora, o governo americano está motivado pelo grande número de pessoas migrando para os EUA e tem interesse em encontrar uma solução que permita crescimento, para que a população da Venezuela não saia do país. Isso incentivou os EUA a buscarem um acordo [com o ditador Nicolás Maduro]. Estamos tentando confiar no processo, mas a eleição não tem nem data definida.

P. - Na Argentina, tem havido resistência das instituições a ações do presidente Javier Milei. O Judiciário derrubou algumas medidas trabalhistas, o Congresso impôs uma derrota em relação à chamada lei ônibus. Os freios e contrapesos têm funcionado no país?

H. G. - Ainda é cedo para dizer, mas até agora esses contrapesos parecem estar levando a uma acomodação de forças, que é parte do processo democrático. Mas precisamos levar em conta como Milei foi eleito e a demanda por algo diferente que tem caracterizado a maioria das eleições na região e no mundo. Em 20 dos últimos 22 pleitos na América Latina, quem ganhou foi o candidato opositor. Isso dá a Milei um mandato muito forte. Então precisamos ver se as instituições, em particular o Judiciário, vão agir da mesma maneira que no Brasil, onde cumpriram um papel muito importante de resistência.

RAIO X

Heloísa Griggs é diretora-executiva interina da Open Society para América Latina e Caribe, com doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale. De 2007 a 2010, atuou como conselheira do senador Richard J. Durbin no Comitê Judiciário do Senado dos EUA.