Falha em consulados dificulta visto grátis a estudantes brasileiros na Argentina

Por JÚLIA BARBON E MAURÍCIO MEIRELES

BUENOS AIRES, ARGENTINA E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Informações faltantes, erradas ou confusas têm dificultado o acesso de brasileiros ao visto de estudante gratuito para entrar na Argentina. Sem saber que tem direito à isenção das taxas nos consulados, parte dos alunos paga por um outro visto temporário, que custa US$ 550, cerca de R$ 2.800.

Até a última terça-feira (27), esse era o valor divulgado no site do Ministério das Relações Exteriores do país vizinho para estudantes do Mercosul que quisessem morar em solo argentino por mais de um ano. Mas a cobrança a alunos vai contra um acordo assinado pelo bloco em 2006 e em vigência há cinco anos.

Avisada pela reportagem, a pasta afirmou que a informação estava desatualizada e seria corrigida. Nesta quinta (29), a página foi retirada do ar, mas outro link continuava citando a cobrança para alunos estrangeiros que pretendem ficar menos de um ano (US$ 150 ou R$ 750), sem deixar clara a exceção do Mercosul.

O acordo do bloco nº 21/06, promulgado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, diz que portadores de passaporte de Brasil, Argentina, Paraguai ou Uruguai "serão beneficiados com vistos gratuitos quando solicitem residência no território dos outros Estados parte" com o objetivo de estudar em instituições reconhecidas oficialmente.

O texto cita cursos de graduação, pós-graduação e secundários e concede a gratuidade também a docentes e pesquisadores.

Questionada, a chancelaria argentina esclareceu que "os nacionais de Estados parte ou associados do Mercosul podem optar por obter um 'visto temporário por nacionalidade' (23L) ou um 'visto temporário de estudantes' (23J). No caso de Brasil, Uruguai e Paraguai, podem obter o visto de estudante nos consulados argentinos de forma gratuita".

Essas informações, porém, não têm chegado a alunos brasileiros de maneira clara, o que fez a embaixada do Brasil na Argentina pedir explicações às autoridades do país, após questionamentos da Folha.

"A gente conversou com a Embaixada argentina no Brasil e apontou a eles o que parece ser, se não uma inconsistência, pelo menos uma falta de clareza. E eles responderam: realmente, não está claro que visto de estudante é uma categoria à parte e é de graça", disse o embaixador Julio Bitelli na última segunda (26).

"Eles disseram que vão esclarecer a informação precisa nos sites da Embaixada e dos consulados argentinos", declarou Bitelli ?o que até esta sexta (1º) ainda não havia sido feito.

Caso se constatasse que consulados argentinos estivessem cobrando por vistos de estudante de forma deliberada, o Brasil poderia fazer uma reclamação formal por quebra do acordo do Mercosul. Mas não há expectativa de que isso ocorra.

Questionadas, as representações argentinas em Porto Alegre e em Salvador confirmaram que o processo é de graça ?a reportagem não conseguiu contato com outras unidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

O desencontro de informações, porém, confunde estudantes como Adriano, que pediu para ter o nome alterado porque ainda está tentando regularizar sua situação no país vizinho. Ele foi até o consulado na capital paulista pedir instruções sobre o visto para estudar no país.

Em vez de ser avisado da gratuidade, recebeu um papel com uma lista de orientações para tirar o outro visto, o "temporário por nacionalidade", aquele que custa US$ 550. Segundo ele, o consulado o informou de que o visto de estudante sairia o mesmo preço, o que é incorreto.

As leis locais e acordos do Mercosul permitem que turistas do bloco entrem e fiquem na Argentina por até 90 dias, prorrogáveis por mais 90. Não se exige visto nem mesmo passaporte. Já estudantes precisam pedir o visto correspondente, apresentando documentos como a cópia do programa de estudos.

É muito comum, porém, que alunos brasileiros entrem no país como "falsos turistas" e, uma vez lá, peçam o direito à residência. Criou-se essa cultura porque um acordo bilateral de 2009 possibilita que brasileiros e argentinos que estejam irregularmente no outro país possam regularizar sua situação ali mesmo.

Na última semana, relatos de estudantes brasileiros sem visto barrados na imigração de aeroportos argentinos por não terem passagem de volta, por exemplo, geraram alarde e levaram à impressão de uma exigência maior por parte das autoridades vizinhas nos últimos meses, coincidindo com o início da gestão de Javier Milei.

Segundo o embaixador brasileiro Julio Bitelli, não há discriminação da gestão Milei e, na prática, não se registrou uma proporção maior de pessoas impedidas de entrar. Foram apenas 38 brasileiros negados neste ano, de um total de quase 1 milhão, de acordo com dados passados pela Direção Nacional de Migração da Argentina. Outros países como Colômbia e Equador, porém, também reclamaram sobre maior rigidez.

Desde que assumiu a Presidência, Milei vem sinalizando que pretende restringir o acesso de estudantes estrangeiros a universidades públicas. Seu pacotão de reformas liberais apelidado de "lei ônibus", que voltou à estaca zero após falta de consenso com a oposição, pretendia cobrar mensalidade a imigrantes sem residência.



COMO TIRAR VISTOS PARA ENTRAR NA ARGENTINA

São emitidos pelos consulados, subordinados ao Ministério de Relações Exteriores

Visto temporário de estudante

Quem pode pedir Qualquer estrangeiro, no consulado de seu país

O que permite Entrar no país para estudar por até 1 ano ou mais de 1 ano, a depender da categoria escolhida

O que é preciso ter Passaporte válido por ao menos 6 meses, cópia do programa de estudos, instituição educativa registrada, comprovante de renda, entre outros

Quanto custa Grátis para cidadãos do Mercosul

Mais informações www.argentina.gob.ar/educacion/campusglobal/visa-estudios

Visto temporário por nacionalidade

Quem pode pedir Nativos de países do Mercosul e associados (como Colômbia e Peru), no consulado de seu país

O que permite Entrar no país para morar, estudar e trabalhar por 2 anos, prorrogáveis

O que é preciso ter Passaporte válido por ao menos 6 meses, certificado de antecedentes criminais, comprovante de domicílio, entre outros

Quanto custa US$ 550 (R$ 2.800) para cidadãos do Mercosul

Mais informações www.cancilleria.gob.ar/es/servicios/visas/visa-por-nacionalidad

Outros tipos de visto para países não-membros do Mercosul

Turismo

Trabalho

Negócios

Religioso

Outros

Mais informações www.cancilleria.gob.ar/es/servicios/servicios-para-extranjeros/visas