Anvisa bane agrotóxico cancerígeno, mas libera uso em lavoura por até 1 ano

Por EDUARDO MILITÃO

BRASÍLIA, DF (UOL/FOLHAPRESS) - A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu nesta segunda-feira (8) banir o agrotóxico cancerígeno carbendazim, mas liberou seu uso por até um ano. A medida ocorre mais de um mês após o mesmo órgão proibir a aplicação imediata do produto no Brasil de maneira cautelar.

O veneno é usado para matar fungos em culturas como soja, milho, laranja e maçã. Desde 2012 o Brasil não o utiliza em plantações de laranja porque os Estados Unidos rejeitam importar suco de frutas atingidas pelo agrotóxico. O produto também é proibido na Europa.

Nesta segunda, a agência terminou um processo de reavaliação toxicológica e concluiu que o carbendazim é tóxico e que ele deve ser banido.

Mas, ao mesmo tempo, permitiu sua "descontinuação gradual" ?o que, na prática, permite que ainda seja produzido, comercializado, exportado e utilizado nas lavouras em tratores com cabine fechada.

"A norma também permite que os produtos adquiridos pelos agricultores, pessoas jurídicas ou físicas, e pelas indústrias de tratamento de sementes, destinados ao uso final, sejam utilizados até o seu esgotamento, respeitando-se o prazo de validade do produto", diz comunicado da agência divulgado após a decisão.

Veja os prazos* para descontinuar o carbendazim no Brasil:

- importação de produtos: imediato

- uso do agrotóxico de maneira manual, estacionária e em tratores de cabine aberta (liberado para veículos do tipo com cabine fechada): imediato

- produção: três meses

- comercialização: seis meses

- exportação: um ano

- descarte controlado dos estoques residuais: um ano e dois meses

- estoques em poder de agricultores e indústrias que produzem sementes: até acabar o estoque e sua validade (produto vence em dois anos).

*Os prazos começam a correr a partir da publicação da decisão desta segunda

A deliberação foi unânime entre os quatro diretores em exercício da agência: o presidente Antônio Barra Torres, Alex Campos, Rômison Mota e Meiruze Freitas.

Segundo o relator, Alex Campos, o veneno foi considerado presumidamente cancerígeno, tóxico e mutagênico. "A área técnica concluiu que o carbendazim induziu as quatro manifestações de toxicidade para o desenvolvimento: mortes, anomalias estruturais, alterações no crescimento e déficits funcionais. É por isso que a solução regulatória vai no sentido da proibição", disse.

Durante a reunião da Anvisa, ele afirmou que não se tratava de um recuo ou "reviravolta" na decisão tomada em 21 de junho, quando o uso do veneno foi proibido imediatamente. "Muito pelo contrário. Temos uma decisão que resolve em definitivo a proibição", disse.

Em seu relatório, Campos afirmou que a decisão desta segunda era mais completa por concluir a análise do agrotóxico e a forma de se serem utilizados os produtos remanescentes.

"Houve muita dúvida de como ia se dar esse produto que estava no Brasil, na indústria e em todo o canto", disse ele na reunião. "Aqueles produtos que estavam nos estoques das indústrias e internalizados por importação."

Em comunicado, a Anvisa defendeu que a eliminação gradual é o melhor método para o carbendazim e é, "normalmente, a medida adotada nas decisões de banimento de agrotóxicos por agências regulatórias internacionais".

Segundo a agência, queimar os estoques do defensivo seria mais prejudicial do que utilizá-los até o final. "O carbendazim é classificado como altamente tóxico para organismos aquáticos (microcrustáceos e peixes) e altamente persistente no meio ambiente, e, na perspectiva do impacto ambiental, a incineração é geralmente mais preocupante do que o esgotamento do estoque dos produtos."

A diretora Meiruze Freitas comparou ao processo de hoje ao que baniu o agrotóxico DDT em 1961. Segundo ela, aquele veneno foi banido sem prazo para liminar os estoques. "A fábrica foi fechada e o produto foi exposto a uma eliminação inadequada", disse.

Ela afirmou que o processo foi complexo, mas feito com muito cuidado para garantir a "proteção à saúde pública". "Me vem sempre à cabeça a reflexão da música do Cidade Negra 'Na estrada': 'Milhas e milhas para se chegar até aqui'. Porque é um ato muito completo, muitas vezes entendido como moroso, mas ele precisa ser cuidado em cada uma de suas etapas."

Essa decisão, porém, não atinge o carbendazim utilizado fora da agricultura, como na indústria de tintas e vernizes para proteger madeira.

Por isso, a Anvisa pretende enviar um pedido ao Ministério da Saúde para que analise se as pessoas que trabalham com esses produtos estão com sua saúde em risco também. A ideia partiu de Meiruze Freitas, que explicou a medida à reportagem: "Entendi ser importante comunicar a Saúde para que avalie as condições de segurança do trabalho".

A antecessora de Campos na relatoria, a médica e ex-diretora da agência Cristiane Jourdan, disse lamentar a criação de prazos para retirar o veneno dos alimentos.

"Tal solução visa atender apenas estratégia de ordem econômica como planejamento de esgotamento perante a cadeia produtiva", afirmou à reportagem. "É lamentável que um órgão regulador com a suprema missão de zelar pela saúde da população brasileira possa declinar de tamanha responsabilidade frente a essa demanda perfeitamente absorvida pelo mercado."

O coordenador do Observatório da Indústria de Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná, o economista Victor Pelaez, avaliou que "isso faz parte do jogo regulatório". "Numa perspectiva econômica, esse é um processo histórico de protelação e que a indústria se vale para conseguir retardar ao máximo a efetividade", disse.

A decisão de hoje conclui um processo de reavaliação, que só começou depois de uma decisão judicial de julho de 2019. Naquele mês, a 6ª Vara Federal de Brasília ordenou que a Anvisa analisasse a toxicidade do carbendazim. Passados mais de dois anos, o processo na agência não havia sido concluído.