Pipa noturna vira febre nas praias do Rio e dor de cabeça para guardas

Por YURI EIRAS E TÉRCIO TEIXEIRA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Yan Ramos, 18, realiza entregas por aplicativo diariamente das 9h às 22h. A exaustiva jornada de trabalho só termina mais cedo nos dias de festival de pipa no Posto 12, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro.

Ali, ao menos duas vezes por semana, ele e outras centenas de jovens se reúnem para empiná-las, mesmo em noites de vento adverso. Os encontros à beira-mar se tornaram febre entre os fãs da brincadeira, mas viraram dor de cabeça para agentes municipais, que tentam coibir o uso da linha chilena, cortante, e que pode machucar quem passa pelo local.

Na última quinta-feira (25), Yan Ramos e outros seis colegas, todos entregadores e moradores da zona oeste, deixaram bicicletas encostadas para participar do festival.

"Soltar pipa é um lazer. O dia estava ruim para a gente, é uma forma de desestressar", afirma Ramos, morador de Bangu, bairro a cerca de 35 km da praia.

Horas antes do evento, um entregador havia sido atropelado por um ônibus em uma avenida da região. A notícia abalou o grupo, mas a correria na areia para pegar as pipas "avoadas", aquelas cortadas pelas linhas dos oponentes, ajudava a aliviar. Eles foram ao festival sem pipa e voltaram para casa com sete.

"O festival começa às 20h e a gente só sai depois das 2h. Eu não solto pipa, mas venho para curtir com os amigos. Hoje em dia a garotada prefere TikTok a pipa", provoca o também entregador Renato Silva, 26, antes de fazer um adendo. "O problema é que a PM está embaçando."

As apreensões da Guarda Municipal e as abordagens policiais, inclusive com agentes armados na faixa de areia, já fazem parte da rotina do festival. O principal motivo é o uso da linha chilena, uma mistura entre cola e óxido de alumínio, bem mais cortante do que o antigo cerol, feito com vidro moído. A linha chilena, que pode ser feita em casa, é vendida em escala industrial pela internet. Uma lei estadual proíbe desde 2019 a compra, uso, porte e posse de linhas cortantes, sob risco de pagamento de multa.

Dados coletados a pedido da Folha pelo Linha Verde, programa do Disque Denúncia voltado para o meio ambiente, mostram que houve 256 denúncias de uso de cerol ou linha chilena em 2022 no estado.

A maior parte das denúncias aconteceu em julho, época de férias escolares, quando as pipas colorem os céus da cidade, especialmente no subúrbio. Na capital, Olaria e Realengo são os bairros campeões de denúncias entre os anos de 2021 e 2022, com 34 denúncias cada um.

No festival da praia, que começou há três meses e chegou a contar com quase 2.000 pessoas em uma noite, segundo os organizadores, agentes de segurança optam pela redução de danos.

Com a impossibilidade de abordar tantos pipeiros, patrulhas do Programa Segurança Presente passam pela orla orientando que a pipa seja empinada apenas na faixa de areia, para evitar acidentes com quem circula pela ciclovia.

A reportagem esteve no local na última quinta-feira. Por volta das 21h40, uma equipe de técnicos da RioLuz, companhia municipal responsável pela iluminação pública, apagou o refletor principal do Posto 12.

Segundo a Secretaria Municipal de Ordem Pública, trata-se de uma estratégia de inteligência para dispersar os participantes. O público de mais de 400 pessoas andou alguns metros e voltou a empinar pipas no Posto 11.

"Não estamos atrapalhando ninguém, estamos soltando nossa pipa na paz, mas eles tomam a linha de todo mundo e apagam as luzes. Vamos mudando de lugar. É uma guerra", compara o vendedor de carros Junio Costa da Silva, 22, que frequenta o festival com a família.

"A implicação deles é com a linha chilena, mas apagar a luz só piora. O Posto 12 é a parte onde a gente tem mais controle e consegue limpar melhor a área", opina Caique Bruno, 19, um dos fundadores do festival. Durante as madrugadas, ao fim de cada evento, um grupo de organizadores se reúne para retirar do lixo os restos de pipa e linha que ficam na areia e calçadão.

Procurada, a Polícia Militar afirma que combate a utilização de linhas cortantes, apreendendo o material e conduzindo os envolvidos às delegacias. A corporação não respondeu sobre a abordagem de policiais armados.

A Seop (Secretaria Municipal de Ordem Pública) afirmou que atua na "coerção ao uso de linha chilena e também cerol, especialmente nas praias, onde as pipas são proibidas". A pasta diz que tem atuado, junto com a Guarda Municipal, na desmobilização de eventos. Na última quinta, agentes apreenderam cerca de 300 pipas de uma família de vendedores.

"É estressante. Tenho sete filhos para criar e estou correndo atrás de um dinheiro honesto junto com minha esposa. Infelizmente, somos obrigados a passar por isso", lamentou Eduardo da Silva, 40, que teve os produtos confiscados. A família, que vende pipas, mas não comercializa linhas, estima o prejuízo em R$ 2.700.