No Rio, fiéis de paróquia denunciam supostas intimidações de bolsonaristas
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Uma carta escrita por fiéis da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, foi enviada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), após supostas intimidações feitas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O documento afirma que as intimidações teriam acontecido após a igreja se recusar a ceder espaço para um evento eleitoral que ocorreu nesta quinta (27) com a presença do presidente.
"Gostaríamos de indicar os atos ilícitos de apoiadores do sr. Jair Messias Bolsonaro, que, de maneira grotesca e ameaçadora, estão, desde o dia 22 de outubro de 2022, tentando invadir o espaço da Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro, no intuito de montar uma base para um comício eleitoral", diz trecho do texto.
Devido à neutralidade partidária exigida pela Arquidiocese do Rio, o pedido para o uso do espaço foi negado. Segundo o texto, isso teria causado as intimidações.
"(...) As grades que circundam a Praça e as árvores foram derrubadas -sem aparente autorização da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro (...). Essas mesmas pessoas, estão assediando moralmente os religiosos que são responsáveis pela Igreja Matriz e lá residem. Os três clérigos católicos a que nos referimos, estão acuados, com receio da não garantia do seu direito de "ir e vir (...) Funcionários da Igreja Matriz também estão sendo hostilizados", diz a carta.
Bolsonaro participou do evento realizado em uma praça na frente da igreja. Em seu discurso, disse que o destino do país "é viver em liberdade". "Nossa destinação é viver em liberdade. De ir e vir, e de expressão também. Podem ter certeza, após a eleição, tudo se normalizará em Brasília", disse ele.
Em nota, a prefeitura "confirma que trechos da grade que circundam a Praça Dom João Esberard, da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, foram retirados, sem o conhecimento e a necessária autorização da prefeitura, o que pode configurar dano ao patrimônio municipal, na forma do artigo 163 do Código Penal".
A prefeitura diz que vai comunicar o fato às autoridades policiais "para que sejam apuradas as devidas responsabilidades" e afirmou que não recebeu pedido algum, nem mesmo para a realização do referido comício: "Não foi pedido para montar evento, fechar rua, abrir rua, não teve pedido nenhum".
Pelo Twitter, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), disse que os responsáveis pela retirada da grade serão identificados.
"Se tivessem pedido autorização para retirar as grades, teriam tido desde que recolocassem depois. Nós somos democratas e respeitamos a livre manifestação, disse ele. "Claro que vamos buscar identificar quem levou as grades. Não custa lembrar o que diz o Código Penal. Civilidade e respeito às regras não fazem mal a ninguém".
Procurada na tarde desta sexta (28), a assessoria de imprensa da campanha de Bolsonaro não atendeu o telefone e não respondeu a mensagem enviada pela reportagem por Whatsapp.
Confira a íntegra da carta:
"Aos srs. juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a todas as pessoas de bom coração,
Nós, alguns dos fiéis católicos na condição de paroquianos da Paróquia Nossa Senhora do Desterro (Vicariato Episcopal Campo Grande, Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro) e demais pessoas de bom coração, gostaríamos de indicar os atos ilícitos de apoiadores do sr. Jair Messias Bolsonaro, que, de maneira grotesca e ameaçadora, estão, desde o dia 22 de outubro de 2022, tentando invadir o espaço da Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro, no intuito de montar uma base para um comício eleitoral que está agendado para o dia 27 de outubro de 2022, sendo realizado na Praça em frente a Igreja Matriz.
Não obstante, quando no último dia 25 de outubro de 2022, no qual celebramos o Dia da Democracia em nosso país, o espaço da Praça Dom João Esberard -localizada em frente ao referido templo religioso- foi ocupado por apoiadores do sr. Jair Messias Bolsonaro; as grades que circundam a Praça e as árvores foram derrubadas - sem aparente autorização da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, fato que ainda está sendo apurado. Essas mesmas pessoas, estão assediando moralmente os religiosos que são responsáveis pela Igreja Matriz e lá residem. Os três clérigos católicos a que nos referimos, estão acuados, com receio da não garantia do seu direito de "ir e vir" livremente, como consta na nossa Carta Constitucional de 1988. Funcionários da Igreja Matriz também estão sendo hostilizados. Estão erroneamente associando o nome da organização religiosa ao comício eleitoral, sendo que não houve nenhum apoio por parte dos religiosos da Paróquia, sobretudo do pároco (autoridade eclesial local), ou da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (autoridade eclesial superior).
Solicitamos providências contra a candidatura do sr. Jair Messias Bolsonaro, que, por meio de comício eleitoral, tornou hostil a Praça pública, que é o único acesso físico a Igreja Matriz, impedindo assim a realização segura das atividades litúrgicas e demais obras sociais que são cotidianamente realizadas em nossa Comunidade Eclesial. Juntamente a isso, dentro das possibilidades jurídicas, solicitamos também uma retratação pública da candidatura do sr. Jair Messias Bolsonaro, cuja ação eleitoral impossibilitou a liberdade de culto na Igreja Matriz.
Ações como essas, que associam a Igreja Matriz a determinados políticos ou partidos, além de serem infundadas, são contrárias a nossa fé:
"(...) o diabo o levou a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e disse lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares" (Evangelho segundo São Mateus 4, 8-9).
Fazer indevidamente uso político-partidário do nosso credo religioso é uma difamação a nossa Igreja Matriz e um completo desrespeito aos nossos princípios doutrinais. Enquanto a candidatura do sr. Jair Messias Bolsonaro alega constantemente que seu adversário político vai promover o "fechamento de igrejas", é efetivamente a ação de sua campanha eleitoral, que aqui denunciamos, que acarretou fechamento temporário do templo religioso, que existe há quase 270 anos e se localiza na região central do bairro de Campo Grande, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Instrumentalizam a fé, limitando a realização segura de atividades de nossa Comunidade Eclesial. Nossa religião nos ensina que a mistura de política com fé perverte o sentido autêntico da religiosidade da Igreja Católica Apostólica Romana. O que ocorre nas proximidades da Igreja Matriz evidencia o quanto essa relação é danosa para a instituição religiosa e para os fiéis:
"Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Evangelho segundo São Mateus 22,21).
Nos solidarizamos com nossos irmãos de fé e com os clérigos que atuam e residem na Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro - a saber: padre João Lucas Barbosa Alves, ss.cc. (pároco); padre Ricardo Gomes da Silva, ss.cc. (vigário paroquial); e diácono Vitor Henrique Borges, ss.cc. De igual modo, rezamos também pelos funcionários que trabalham na referida Igreja. Há 90 anos, a Congregação dos Padres dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e da Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento do Altar é responsável direta pela administração da Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro e esse tipo de insegurança nunca fora testemunhado pelos vários clérigos que por aqui passaram.
Endossamos o que pela fé já conhecemos e defendemos: igreja não é palanque!
Unidos em oração e desejosos de Justiça, denunciamos aqui o ocorrido.
Fiéis católicos paroquianos da Paróquia Nossa Senhora do Desterro (Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ) e demais pessoas de bom coração."