Com Lula e Bolsonaro, Brasil terá diferentes facetas na COP27

Por PHILLIPPE WATANABE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil terá diferentes Brasis na COP27, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, em Sharm el-Sheik, no Egito, a partir deste domingo (6).

Um deles será o do atual governo Jair Bolsonaro (PL), que deverá chamar a atenção para o potencial energético limpo do Brasil. O outro será o do presidente eleito Lula (PT), que colocou, no discurso após a vitória na eleição, a crise do clima e a Amazônia -que sofre com a explosão de destruição na gestão Bolsonaro- como pontos centrais do futuro governo.

O Brasil de Bolsonaro, assim como tem sido, deve tentar tirar a atenção dos elevados níveis de desmatamento que assolam a Amazônia -especialmente, mas não só ela. Internacionalmente, o atual presidente tenta fazer crer que a situação ambiental do Brasil está controlada e que a maior parte da floresta está intocada -o que é falso.

Na última COP, em Glasgow, no Reino Unido, os dados anuais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre desmatamento já estavam prontos, mas só foram divulgados pelo governo após a conferência.

Durante o evento, no entanto, dados recordes de desmate de outubro saíram. Enquanto isso, o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente), falava na conferência sobre um "Brasil real", com "desenvolvimento verde inclusivo", e dizia desconhecer os dados.

Segundo a assessoria do Ministério do Meio Ambiente, Leite irá para a segunda semana da COP27. O evento vai até o dia 18.

Nas últimas semanas, Leite tem feito postagens sobre questões energéticas, com foto de painéis solares e carros elétricos. Uma das publicações é um vídeo em inglês dedicado à COP27 no qual o Brasil é classificado como um país de energia verde -a Amazônia ou outros biomas não são citados.

A propaganda faz jus à realidade. Afinal, a maior parte da energia brasileira é realmente renovável, oriunda de hidrelétricas.

Apesar disso, além do desmatamento explosivo dos últimos anos -principal fonte de emissões do Brasil-, o governo Bolsonaro ficou marcado pelo investimento em geração de energia a partir de termelétricas movidas a combustíveis fósseis, lembra Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima.

A matriz brasileira está sendo poluída para o futuro, diz Herschmann. "Foi o governo que passou um programa de carvão sustentável e foi o governo que aprovou um 'jabuti' na privatização da Eletrobras para contratar termelétrica a gás no Norte e no Nordeste. Eles querem se vender para o mundo com uma coisa, mas internamente estão fazendo outra."

O outro Brasil na COP será o do Lula. Em quatro anos de governo, Bolsonaro não foi a nenhuma COP. Recém-eleito, o petista deve estar presente na segunda semana do evento.

O movimento de Lula é visto com bons olhos por Izabella Teixeira, uma das "amigas da COP27" -grupo de aconselhamento do presiência do evento- e copresidente do Painel Internacional de Recursos, plataforma político-científica do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

Afinal, há significado na viagem do presidente eleito para o principal palco de discussões climáticas, que, neste ano, ocorre em um país africano. Teixeira, que participou do plano de governo de Lula e foi ministra do Meio Ambiente de 2010 a 2016, destaca ainda que a ida será a convite do Consórcio da Amazônia Legal, grupo criado por governadores da região durante o mandato de Bolsonaro.

São sinalizações de união, após divisões criadas por Bolsonaro, aponta Teixeira, que vê uma conferência com possíveis atenções positivas para o Brasil. Na COP27, o Brasil pode se tornar, novamente, uma voz de liderança, ela aposta.

A também ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, outro nome próximo de Lula que comparecerá à conferência, já fala no resgate da atuação brasileira como mediador de negociações em temas desafiadores, como perdas e danos. Ela também aponta uma possível participação mais ativa do país no financiamento climático.

Assim, ainda que o atual governo continue tendo a caneta na mão, não necessariamente vai receber muita atenção na conferência. "Vai todo mundo querer conversar com o governo de transição que está indo", avalia Herschmann.

Para a especialista, a questão climática vai ser o grande trunfo para a reinserção internacional de Lula. Por isso, ela espera ver algum compromisso ou sinalização do presidente eleito na COP. Uma nova meta para redução de emissões, que corrigisse a pedalada climática do governo Bolsonaro -dada por uma troca nos dados de base do compromisso assumido-, é uma possibilidade.

A atuação de Bolsonaro ajudou a criar os múltiplos Brasis que estarão presentes no Egito. Em seu primeiro ano de governo, o país não levou à COP25 -que a pedido do presidente não foi no Brasil- um estande oficial.

A sociedade civil se organizou então em um espaço próprio, o Brazil Climate Action Hub. O estande mais uma vez estará presente na COP27, com uma área de 150 m². Na conferência de 2021, o local atraiu, inclusive, autoridades, enquanto o estande oficial brasileiro por vezes estava esvaziado.

Desta vez, o governo federal terá um estande com cerca de 300 m², no qual também estarão presentes setores da economia, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária).

Os governadores da Amazônia também terão um estande próprio, com 120 m². Pelo menos cinco governadores (AC, AP, MT, PA e TO) confirmaram a ida ao evento. Montada no primeiro ano do governo Bolsonaro, a iniciativa permitiu que os estados contornassem o governo federal para buscar verbas internacionais.

Vários dos governadores amazônicos, porém, são aliados de Bolsonaro e, logicamente, também têm responsabilidades no combate ou não ao desmatamento na região.

Um último Brasil ainda estará presente, como de costume, na COP27: dos negociadores, ligados ao Itamaraty. Segundo os especialistas ouvidos pela Folha, esse grupo mais técnico não deve apresentar grandes mudanças, mesmo com a troca de governo.

Houve, porém, agitação na COP25, quando o então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), que chefiava a delegação brasileira, obstruiu a negociação. Na ocasião, Salles pedia dinheiro para destravar as conversas.

Na COP26, com Joaquim Leite à frente da pasta, a situação se acalmou. Inclusive, o time diplomático brasileiro formulou proposta importante para destravar discussões sobre mercado de carbono.

"As posições que eles [negociadores] têm para levar para as mesas de negociação já são muito consolidadas, históricas. O Brasil está se posicionando com outros países da América Latina", afirma Herschmann.

Em resposta a questionamento da Folha, o Itamaraty afirma que o foco da COP27 será em adaptação e meios de implementação, como a promessa de países desenvolvidos de destinação de recursos para combate aos impactos climáticos em países em desenvolvimento.

Especialmente por se tratar de uma COP na África, a questão do financiamento climático e das perdas e danos derivados de eventos extremos deve ganhar força.

"É uma COP de implementação, de caminhos para poder agir", conclui Teixeira.