Comissão da OEA vê ameaças há anos e risco a pessoas que atuaram na busca de Bruno e Dom
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Defensores dos povos indígenas que atuaram nas buscas do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips vêm sendo alvo de "eventos de violência e ameaças" contra "a vida e a integridade pessoal" pelo menos desde 2018, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
A constatação é feita em um pedido para que o Brasil adote as medidas necessárias para proteger 11 pessoas ligadas à Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e que trabalharam no caso do assassinato de Bruno e Dom, em junho deste ano.
No documento, assinado pela secretária-executiva da comissão, Tania Reneaum Panszi, são citadas uma série de eventos envolvendo essas pessoas nos últimos anos.
Dentre eles, a comissão interamericana lista "ataques à Funai (Fundação Nacional do Índio); o assassinato do funcionário da Funai Maxciel Pereira dos Santos; ameaças de morte por parte dos invasores das terras indígenas; tiros com armas de fogo contra os membros da Univaja enquanto realizavam atividades de campo; e o recente assassinato dos senhores [Bruno] Araújo Pereira e [Dom] Phillips".
O documento ainda ressalta que o Vale do Javari, no Amazonas, tem forte incidência de tráfico de drogas e pesca ilegal, assim como de grupos armados.
"O Estado [brasileiro] não implementou medidas concretas de proteção em favor das pessoas propostas beneficiárias [os 11 membros da Univaja], apesar das denúncias interpostas ao longo de 2021 e 2022", diz a comissão da OEA.
Dentre os nomes, são citados Beto Marubo, Eliésio Marubo e Orlando Possuelo, pessoas que eram próximas a Bruno Pereira. A Univaja iniciou as buscas após o desaparecimento do indigenista e do jornalista antes mesmo das forças de segurança. A participação do grupo foi fundamental para que os corpos dos dois fossem encontrados posteriormente.
"[Essas pessoas estão] em situação de risco devido a seu trabalho na proteção dos povos indígenas do Vale do Javari e de seu território, bem como por sua participação direta nas buscas de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips e pela demanda por justiça por seus assassinatos", conclui o relatório.
Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados em junho deste ano. O indigenista, que fez carreira na Funai atuando na região do Vale do Javari, antes de assumir a coordenação de povos isolados em Brasília. Desde 2019, era servidor licenciado da fundação e atuava com a Univaja.
Seu trabalho consistia em construir um diálogo com os povos indígenas da região e auxiliá-los na proteção ao seu território.
O jornalista, por sua vez, escrevia um livro sobre a Amazônia e, para isso, contava com ajuda do indigenista. Bruno tinha organizado a expedição ao Vale do Javari em que ambos foram mortos por um pescador da região, conhecido como Pelado.
A Polícia prendeu uma série de suspeitos de participação no crime, além do próprio Pelado. Um deles, conhecido como Colômbia, seria o chefe da operação do tráfico ilegal na região, que envolvia pesca e drogas. Ele foi solto após pagar fiança.
O outro caso de morte citado pela comissão é de Maxciel Pereira, indigenista que, assim como Bruno, atuou na Frente de Proteção Etnoambiental da Funai no Vale do Javari.
Ele foi assassinado em 2019, na cidade de Tabatinga (AM), quando andava de moto com sua esposa e sua filha. Ninguém foi preso pelo caso.
Recentemente, a Polícia Federal reabriu a investigação sobre sua morte, motivada por uma apuração paralela feita pela família de Maxciel. Em análises preliminares, a força já encontrou sinais de que houve falha na perícia feita inicialmente sobre o caso.
Segundo uma testemunha, os dois casos estariam ligados uma vez que ambos atuavam no combate a atividades ilegais na região.