Lobby de combustíveis fósseis é maior que delegações africanas na 'COP da África'

Por ANA CAROLINA AMARAL

SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) - Vestidos com paletó e gravata, três executivos observam, enfileirados, o quadro dourado de patrocínios do pavilhão do Egito, país anfitrião da COP27, conferência do clima da ONU que ocorre até o dia 18 na cidade de Sharm el-Sheikh.

"Estamos pensando em patrocinar a COP no ano que vem", um deles explica à reportagem e se apresenta. É Gareth Wynn, chefe de comunicação da Taqa, empresa nacional de gás dos Emirados Árabes, país-sede da próxima edição da COP.

O grupo pertence a uma das grandes delegações da COP: a dos combustíveis fósseis (como petróleo, gás e carvão). O setor tem 636 representantes na conferência deste ano. O número é 26% maior do que na COP26, no ano passado, quando tinha 503 lobistas.

"Há um aumento da influência da indústria de combustíveis fósseis nas negociações sobre o clima que já estão repletas de acusações de censura da sociedade civil e influência corporativa", afirma uma nota das organizações Corporate Accountability, Corporate Europe Observatory e Global Witness, que mapearam conjuntamente a presença do setor na conferência.

A reportagem procurou a Convenção-Quadro do Clima da ONU para comentar os números, mas não obteve retorno até o momento da publicação.

A análise percorreu a lista de credenciados na COP, verificando tanto os nomes diretamente afiliados a corporações de combustíveis fósseis -como Shell, Chevron e BP- quanto membros que atuam em nome da indústria de combustíveis fósseis e foram credenciados por delegações nacionais.

Os Emirados Árabes Unidos -que registraram 1.070 delegados neste ano, enquanto levaram apenas 176 no último ano- têm 70 nomes classificados como lobistas de combustíveis fósseis pela pesquisa, que ainda é preliminar.

Outros 28 países trazem lobistas do setor em suas delegações nacionais. A Rússia é a segunda maior casa para os representantes das energias fósseis, com 33 lobistas em sua delegação, aponta o relatório.

Presidida por um país africano, a conferência é apelidada de "COP da África" por conta da expectativa de o continente conseguir pautar nas negociações as agendas que lhe são mais urgentes, como a adaptação climática, o financiamento e as reparações por perdas e danos.

No entanto, o lobby dos fósseis traz à COP uma delegação maior do que qualquer delegação africana, ainda segundo a análise.

As três organizações que levantaram os dados são parte de uma coalizão que tem pedido à ONU para barrar o credenciamento de lobistas das energias fósseis.

"É hora de expulsar os grandes poluidores. Chega de deixá-los escrever as regras ou bancar as negociações sobre o clima", diz Phillip Jakpor, representante da Corporate Accountability e da Participação Pública da África (CAPPA).

"Os lobistas do tabaco não seriam bem-vindos nas conferências de saúde, os traficantes de armas não podem promover seu comércio em convenções de paz. Aqueles que perpetuam o vício mundial em combustíveis fósseis não devem ser autorizados a passar pelas portas de uma conferência climática. É hora de os governos saírem dos bolsos dos poluidores", completa.

A análise ainda avalia que, enquanto permite a presença de lobistas cujos interesses são contrários ao propósito da conferência, a COP27 inviabilizou a participação de ativistas, movimentos sociais e indígenas, por conta de altos custos logísticos e de hospedagem, além de repressões do governo ditatorial do Egito a manifestações da sociedade civil.

Há mais lobistas de combustíveis fósseis registrados do que representantes dos dez países mais impactados pelas mudanças climáticas de acordo com o ranking da GermanWatch (Porto Rico, Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão, Tailândia e Nepal), destaca o estudo.

A crise energética na Europa decorrente da Guerra da Ucrânia trouxe ainda mais força para o setor, que ganhou legitimação política para receber investimentos no curto e médio prazo, embora seja o maior causador global das mudanças climáticas.

Boa parte das metas nacionais e setoriais para o Acordo de Paris preveem zerar, até 2050, as emissões líquidas -ou seja, ainda será possível emitir, desde que com ações de compensação, como o plantio de árvores, que sequestrem o gás carbônico de volta para a terra.

O setor tem apostado em brechas como essa, além de paliativos como tecnologias menos poluidoras, para se manter atuante. No entanto, cada vez mais a ciência, os líderes políticos e até mesmo o secretário-geral da ONU, António Guterres, tem defendido que é preciso banir investimentos em fósseis, forçando uma guinada definitiva no setor energético para as renováveis.