TJ de SP mantém absolvição de caseiro que ficou preso 7 anos sem provas

Por ROGÉRIO PAGNAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em decisão unânime nesta quinta-feira (17), o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a absolvição do trabalhador rural José Aparecido Alves Filho, 43, que ficou preso por sete anos sem provas.

O caseiro foi solto em julho de 2021, por determinação do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), após reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrar a história dele na premiada série "Inocentes Presos". A condenação havia transitado em julgado (fim de recursos) em 2017.

Em seu relatório, o desembargador Silmar Fernandes afirmou que, embora José Aparecido tenha sido condenado no primeiro julgamento, e testemunhas apontarem suposta indisposição entre ele e a vítima, as provas carreadas aos autos não autorizam uma condenação.

O trabalhador rural havia sido condenado a 21 anos por latrocínio, mesmo sendo a única prova contra ele uma delação desmentida. Evandro Matias Cruz, réu confesso, chegou a apontá-lo como comparsa em controverso reconhecimento na delegacia, mas depois voltou atrás.

Na Justiça, Cruz sempre negou a participação de José Aparecido no crime e disse ter sido pressionado na delegacia para apontar o trabalhador rural como parceiro, embora nunca o tivesse visto na vida.

"Desse modo, do escólio oral produzido em Juízo, não há qualquer prova robusta da efetiva participação do apelado eis que, conforme demonstrado, o único elemento, produzido exclusivamente em solo policial e não ratificado sob o crivo do contraditório, foi a delação do corréu Evandro", diz trecho do relatório de Fernandes.

O Ministério Público pode recorrer, mas apenas sobre eventuais questões técnicas e não mais quanto ao mérito. No julgamento, não houve argumentação sobre eventuais falhas ou intenção de recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou STF.

Os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Criminal do TJ seguiram o entendimento do juiz de Bragança Paulista Lucas Pereira Moraes Garcia, que absolveu o caseiro em janeiro de 2002 ?contrariando pedido do promotor Rogério José Filócomo Júnior, que insistiu na condenação, mesmo admitindo não haver provas concretas contra ele.

As provas indiretas, para ele suficientes para a condenação, seriam os testemunhos de vizinhos que apontavam um descontentamento do ex-patrão (e vítima) com José Aparecido e, também, os depoimentos de delegado e de investigador com as suspeitas contra ele.

Na audiência, o promotor usou parte da sua sustentação oral para criticar a Folha de S.Paulo e a reportagem que afirmou que a condenação de José Aparecido havia ocorrido sem provas concretas.

"Ou a Folha está certa, e todos esses profissionais do direito, esses experientes profissionais do direito, estão errados. Ou é o contrário. Ou os profissionais do direito estão certos e a Folha está errada", disse sobre juízes e desembargadores que participaram da condenação.

Após ser derrotado, Filócomo Júnior recorreu à segunda instância. Lá, a procuradora Silvia Reiko Kawamoto decidiu acompanhar o colega de Bragança e manteve o pedido de condenação.

Silvia tentou preencher uma lacuna que a investigação não conseguiu: explicar como o caseiro foi visto na fazenda onde trabalhava minutos após o crime, já que, segundo delator, o comparsa apelidado de Peixe fora deixado a 8 quilômetros de distância de lá ?percurso que, a pé, levaria cerca de uma hora e 45 minutos para ser percorrido.

"Consigne-se que José Aparecido não usou carro, para se locomover, naquela tarde, para não chamar a atenção dos caseiros Luiz (que deixou claro que apesar de mato encobrir as baias do lugar em que ele e sua esposa estavam, acaso o apelado usasse o veículo, ouviria o barulho do motor) e Antonia, mas se valeu de cavalo", diz trecho de manifestação.

O desembargador Fernando atacou a suposição, já que nenhuma prova há sobre isso.

Para o advogado do caseiro, Nagashi Furukawa, depois de oito anos de sofrimento enfrentados pelo trabalhador rural e sua família, finalmente veio uma decisão que o deixa mais tranquilo.

Já José Aparecido disse que, agora, espera o arquivamento do processo para dormir em paz, algo que não consegue há oito anos. "Fiquei muito feliz com a notícia, muito contente, graças a Deus. Não devo mais nada para a Justiça. Obrigado por tudo o que vocês fizeram, vocês, o doutor Nagashi, que acreditaram em mim, na minha família. Vocês foram uns anjos nas nossas vidas. Que Deus abençoe vocês", disse.

O crime pelo qual José Aparecido foi condenado ocorreu na noite de 24 de março de 2014, em uma área rural de Bragança Paulista, a 85 km da capital, e teve como vítima o patrão dele, o sitiante José Henrique Vettori, então com 68 anos.

Vettori foi rendido por homens armados quando parou a picape na entrada de seu sítio. Mesmo sem oferecer resistência, foi agredido e morto por um dos ladrões enquanto era levado para outro local.

Os criminosos colocaram o corpo na caçamba da picape, atearam fogo nela e fugiram. O homem apontado como autor do disparo foi Edilson Paulo de Souza, tio de Evandro. Um terceiro criminoso, apelidado de Peixe, ajudou a iniciar o incêndio.

Toda a dinâmica montada pela polícia se baseia em depoimento de Evandro, dado na delegacia cerca de dois meses depois do crime, quando ele foi localizado em uma cidade no interior de Minas Gerais, Santana do Manhuaçu, escondido na casa da avó.