Quase 50 mil motoristas recusam teste do bafômetro em São Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase 50 mil motoristas disseram não, quando questionados se aceitariam fazer o teste do etilômetro (ou bafômetro), em abordagens de policiais militares no estado de São Paulo, neste ano. O número já é maior que os de antes da pandemia de Covid-19 e acende um alerta nesta época de festas, quando há risco de as pessoas dirigirem após consumirem bebida alcoólica em confraternizações.
Para especialistas, a estatística pode demonstrar um sentimento de impunidade de motoristas supostamente alcoolizados que tentam não produzir prova contra si mesmos, por imaginar que as consequências da recusa serão menores que as de serem flagrados pelo aparelho.
Segundo o Detran (Departamento de Trânsito) de São Paulo, de janeiro a novembro, 47.352 pessoas foram multadas por se recusarem a assoprar o bafômetro, quando abordadas por PMs de trânsito em todo o estado. No mesmo período de 2019, a fiscalização aplicou 45.089 autuações. Ou seja, hoje o número é 6% maior.
Em 2020 e 2021, quando havia restrições de funcionamento de bares e as blitze de trânsito para flagrar motoristas embriagados estavam suspensas por causa do coronavírus, os dados foram menores --32.853 e 35.313 multas, respectivamente.
Os números são de todas as abordagens, desde as individuais no trânsito às grandes operações.
Apenas nas blitze da Operação Direção Segura Integrada, criada para fiscalizar principalmente o consumo de álcool --ela ficou sem ser realizada durante parte da pandemia e foi retomada no segundo semestre de 2021--, de janeiro a novembro deste ano, de 129.454 motoristas abordados, 5.577 recusaram o bafômetro, ou seja, 4%. Do total, 614 foram autuados por alcoolemia.
Na contramão da alta na negativa ao teste, a quantidade de motoristas flagrados sob influência de álcool no estado é menor em 2022 que nos três anos anteriores --os números também são de todas as abordagens, não apenas em blitze.
Segundo o Detran, de janeiro a novembro deste ano, 7.742 multas foram aplicadas a esses condutores, contra 8.529 no ano passado, 8.909, em 2020 e 11.646, em 2019.
Ademir Rafael dos Santos, presidente da Comissão do Direito de Trânsito da OAB-SP, diz que possivelmente falta informação aos que recusam o bafômetro, pois as punições podem ser duras.
"Na teoria, essa questão [deixar de fazer o teste] não muda nada", afirma o advogado.
Quem se nega a assoprar o aparelho comete infração gravíssima. Recebe multa de R$ 2.934,70, sete pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e pode sofrer processo administrativo com suspensão do direito de dirigir por 12 meses.
A punição é a mesma quando o bafômetro confirma de 0,05 mg/l até 0,33 mg/l de álcool por litro de ar expelido de quem assoprou o aparelho.
O condutor flagrado com 0,34 mg/l de álcool por litro de ar expelido comete crime de trânsito, com pena de seis meses a três anos de detenção, multa de R$ 2.934,70 e perde o direito de dirigir por dois anos.
"Se um policial militar oferece o teste e o motorista não o quiser, antes de aplicar a multa pela recusa ele [autoridade de trânsito] poderá analisar as alterações da capacidade psicomotora do condutor", afirma o especialista.
De acordo com a resolução 423 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), o policial pode analisar sinais como a aparência e as atitudes do condutor para comprovar a alcoolemia.
Se ao menos dois sinais indicarem embriaguez, o motorista poderá ser levado para a delegacia e acabar preso, caso tenha comprometido a segurança do trânsito, mesmo que rejeite assoprar o bafômetro.
Em maio passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou constitucional a imposição de sanções a motoristas que se recusem a fazer teste de bafômetro por autoridades de trânsito.
"Falta muito esclarecimento a quem recusa o teste pensando que vai apenas receber uma multa e não ter processo nenhum", diz o advogado Santos.
PRESERVAÇÃO DE VIDAS NO ASFALTO
Médico especializado em trânsito há mais de 40 anos, Flávio Emir Adura, diretor-científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), reforça que, além de conhecer a legislação, os motoristas precisam estar conscientes das consequências da ingestão de álcool.
Segundo ele, sob efeito de bebida alcoólica, o condutor tem risco 17 vezes maior de se envolver em um acidente de trânsito grave.
Quando bebem, diz Adura, motoristas são mais propensos a dirigir em alta velocidade, a não afivelar o cinto de segurança e a usarem o celular. "Multiplica-se o risco."
Dados da Polícia Rodoviária Federal, tabulados pela Abramet, mostram que entre janeiro e julho motoristas alcoolizados estiveram envolvidos em acidentes que provocaram 111 mortes em rodovias federais.
O número de óbitos é menor que no mesmo período de 2021, quando 121 pessoas morreram nessas estradas por sinistros que tiveram a ingestão de álcool como consequência. O total de feridos, porém, é maior: 2.233 nos sete primeiros meses de 2022, contra 2.127 do mesmo período anterior.
Para a Abramet, a Lei Seca, promulgada em julho de 2008 e endurecida por atualizações desde então, salvou ao menos 50 mil vidas.
"O álcool compromete o reflexo, reduz a atenção e a capacidade de avaliar a percepção da velocidade, o cálculo da distância segura para uma ultrapassagem, a coordenação motora e a habilidade de controlar o veículo, além da visão periférica", afirma Adura.
Para o advogado Ademir Rafael dos Santos, é necessário realizar mais campanhas de conscientização, inclusive para que motoristas saibam das consequências de tentar esconder a alcoolemia quando recusam fazer o teste do bafômetro. "É preciso orientação diária e nas escolas."
FORMAS DE VERIFICAR ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA DO MOTORISTA
Exame de sangue
Exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente, ou pela polícia judiciária (em caso de consumo de outras substâncias psicoativas)
Etilômetro
Verificação de sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora
Também poderão ser utilizados testemunhos, imagem, vídeo ou qualquer outro meio de prova em direito admitido
SINAIS DO CONDUTOR, SEGUNDO O CONTRAN
Quanto à aparência
Sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito
Quanto à atitude
agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão
Quanto à orientação, se ele:
Sabe onde está, sabe a data e a hora
Quanto à memória, se ele:
Sabe seu endereço, lembra-se dos atos cometidos
Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta:
Dificuldade no equilíbrio, fala alterada
AS PUNIÇÕES PARA QUEM BEBE E DIRIGE
Artigo 165 do CTB (dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência)
Infração gravíssima
Valor da autuação de R$ 2.934,70 (se flagrado dirigindo alcoolizado mais de uma vez em um período de 12 meses, o valor dobra para R$ 5.869,40)
Sanção administrativa agregada - suspensão do direito de dirigir por 12 meses (após a instauração de processo administrativo pela Diretoria de Habilitação do Detran com o direito a ampla defesa e contraditório)
Quantidade de álcool e consequências
Até 0,04 mg/l (miligrama de álcool por litro de ar alveolar) - não há infração de trânsito.
Entre 0,05 mg/l até 0,33 mg/l - infração de trânsito do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
Igual ou superior a 0,34 mg/l - crime do artigo 306 do CTB (Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência -- Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor)
No caso de recusa ao teste as consequências são as mesmas (o artigo muda do 165 para o 165-A do CTB)
Infração gravíssima
Recusa, mas nenhum outro ou apenas um sinal de alteração da capacidade psicomotora: autuação de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por 12 meses
Recusa e mais pelo menos dois sinais de alteração da capacidade psicomotora: autuação, suspensão do direito de dirigir por 12 meses e detenção de seis meses a três anos