Membros da transição de Lula falam em 'vergonha' e 'ojeriza' após Dino indicar coronel para os presídios

Por MÔNICA BERGAMO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Integrantes do grupo de trabalho (GT) que se dedicou à Segurança Pública e à Justiça no gabinete de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dirigiram ao futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, uma carta em que manifestam "constrangimento, decepção e vergonha" com a indicação do coronel Nivaldo César Restivo para a Secretaria Nacional de Políticas Penais.

Titular da Secretaria da Administração Penitenciária paulista e coronel da Polícia Militar de São Paulo, Restivo foi anunciado na quarta-feira (21) e terá sob a sua alçada o Departamento Nacional Penitenciário (Depen).

Membros do grupo de trabalho da transição que se dedicaram especialmente aos subtemas da execução penal e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) afirmam que as credenciais de Restivo não correspondem aos esforços e às proposições da área técnica, bem como ao plano de governo de Lula.

Dizem, por exemplo, que qualquer pretensão de uma política antirracista "não passará de discurso vazio" caso a sua indicação se confirme e se o governo eleito não se atentar à expressão do racismo no cárcere.

"Para um sistema prisional marcado de violações, sendo o descaso e tortura marcas recorrentes, a indicação de alguém que carrega em seu currículo a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil, o massacre do Carandiru, representa um golpe bastante duro", afirmam no documento.

"A passagem do senhor Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido diretamente contrário ao que foi proposto por este GT, com declarada ojeriza à democratização da política penal e tendo a secretaria paulista retroagido em todas as frentes que o relatório do GT defende", continuam.

A carta é subscrita por mais de 20 membros oficiais, colaboradores voluntários e entidades que participaram dos trabalhos, incluindo a relatora do grupo, Camila Caldeira Nunes Dias, e o coordenador nacional de Segurança Pública do PT, Abdael Ambruster.

Professores universitários, pesquisadores, defensores públicos, advogados, servidores públicos de diversas áreas relacionadas ao sistema prisional e até mesmo um juiz também endossam o seu teor.

Os signatários ainda se colocam à disposição de Dino para reavaliar a indicação do coronel Nivaldo César Restivo e para tratar o assunto de maneira detalhada.

"Não consideramos que a participação ampla no trabalho de transição tenha sido apenas uma encenação. Todos temos esperança de um governo verdadeiramente democrático e isso, necessariamente, inclui a esfera da sociedade onde, desde 1988, homens e mulheres negros e pobres, presos e seus familiares, esperam ansiosamente a chegada dos Estado democrático e de Direito", afirmam na carta.

Esta é a segunda vez no espaço de três dias que uma decisão do futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, causa desgaste entre integrantes e aliados do governo eleito de Lula.

Na terça-feira (20), o ex-governador do Maranhão anunciou para o comando da Polícia Rodoviária Federal (PRF) um agente da corporação que já foi um entusiasta da Operação Lava Jato e apoiou a prisão do ex-presidente petista. Na quarta-feira (21), Dino retrocedeu.

Tivemos uma polêmica nas últimas horas e o entendimento dele e da nossa equipe é que seria mais adequado proceder a essa substituição", disse ele. "Qualquer que seja o dirigente que esteja cercado de polêmicas, é muito difícil que em uma área sensível, o dirigente consiga se dedicar com a largueza e a profundidade necessária", afirmou ainda.

Leia, baixo, a íntegra da nota de integrantes do grupo de trabalho de Segurança Pública e Justiça:

Caro Ministro Flavio Dino,

Considerando o ideal comum de reconstrução do país e de dias mais justos para o Brasil, aceitamos a tarefa de compor o Grupo de Trabalho de transição de execução penal, com ênfase na construção de propostas para o DEPEN e FUNPEN, passando por um processo amplo de escuta, de análise e construção participativa de um relatório propositivo para os desafios de reorganizar as políticas penais no país, tendo como objetivo maior o alcance daquilo que nosso ordenamento jurídico prevê em termos de garantia de direitos, com valorização dos servidores penais, respeito às pessoas privadas de liberdade e avanço nas políticas não-privativas de liberdade.

Por isso, tomamos a liberdade de manifestar o constrangimento, decepção e vergonha que sentimos como integrantes desse Grupo, pela indicação do novo Secretário da idealizada ? e necessária - Secretaria Nacional de Políticas Penais.

Para um sistema prisional marcado de violações, sendo o descaso e tortura marcas recorrentes, a indicação de alguém que carrega em seu currículo a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil, o Massacre do Carandiru, representa um golpe bastante duro. Além disso, a passagem do Sr. Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido diretamente contrário ao que foi proposto por este GT, com declarada ojeriza à democratização da política penal e tendo a Secretaria paulista retroagido em todas as frentes que o relatório do GT defende. Definitivamente, não corresponde ao perfil adequado aos esforços apontados no trabalho deste pelo grupo e constantes no plano de governo.

Na expectativa de melhor avaliação dessa situação, nos colocamos à disposição para tratar de maneira mais detalhada o assunto. Não consideramos que a participação ampla no trabalho de transição tenha sido apenas uma encenação. Todos temos esperança de um governo verdadeiramente democrático e isso, necessariamente, inclui a esfera da sociedade onde, desde 1988, homens e mulheres negros e pobres, presos e seus familiares, esperam ansiosamente a chegada dos Estado democrático e de Direito. Inclusive qualquer pretensão de uma política antirracista, como tem sido propalado pelo novo governo não passará de discurso vazio se nao levar em consideração a mais clara expressão do racismo brasileiro, o sistema prisional.

Assinam essa nota os membros oficiais e colaboradores/as voluntários/as do GT abaixo nomeados:

? Camila Caldeira Nunes Dias ? Relatora; Professora da UFABC, Pesquisadora do IPEA, do

CNPQ e do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, coordenadora do Grupo de Pesquisa

em Segurança, Violência e Justiça ? SEVIJU/UFABC

Entidades e grupos de pesquisa

? LabGEPEN ? Laboratório de Gestão de Políticas Penais do Depto de Gestão de Políticas Públicas da UnB

? NAPP ? Núcleo de Apoio à Política Pública da Fundação Perseu Abramo ? Grupo de estudos sobre segurança pública, sob a coordenação do Deputado Paulo Teixeira

? SEVIJU ? Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça

? Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação nas Prisões - UFT

Participantes individuais:

? Abdael Ambruster - Coordenador Nacional de Segurança Pública do PT, Policial Penal Especialista em Segurança Pública e Direitos humanos, Especialista em Criminalística com ênfase em Perícia forense.

? André Giamberardino ? Professor da Faculdade de Direito e dos Programas de PósGraduação em Direito e em Sociologia da UFPR. Defensor Público no Paraná e atual Defensor Público-Geral no Estado.

? Alessandra Teixeira ? professora da Universidade Federal do ABC. Pesquisadora do CNPq.

? Gregório Antonio Fernandes de Andrade, Advogado Criminalista, sobrevivente do sistema prisional.

? Ana Valeska Duarte, advogada, especialista em Direito Penal e Processo Penal, Membra da Abracrim/RO, Membra das Comissões de Privação de liberdade e Segurança e Direitos Humanos do CNDH e atualmente perita do MNPCT. (As manifestações são de cunho pessoal e não representam a opinião do MNPCT, conforme disposto na Resolução nº 02, de 25 de novembro de 2016 no artigo 6º).

? Bárbara Suelen Coloniese, Perita Criminal, Especialista em Criminalística e Criminologia e Protocolo de Istambul, membra das Comissões de Privação de Liberdade e Saúde Mental do CNDH, membra do Conselho Consultivo do Equador sobre as políticas de prevenção e combate à tortura na América Latina e atualmente perita do MNPCT. (As manifestações são de cunho 3 pessoal e não representam a opinião do MNPCT, conforme disposto na Resolução nº 02, de 25 de novembro de 2016 no artigo 6º).

? Bruna Roberta Wessner Longen, Mestranda em Políticas Públicas; Especialista em Direito Penal e Gestão em Segurança Pública; Graduada em Direito; Membra do Conselho Estadual de Direitos Humanos - SC; Policial Penal; Superintendente de Execuções Penais do Departamento de Polícia Penal - SC, Professora de Direitos Humanos na Academia de Administração Prisional do Estado de Santa Catarina; Pesquisadora nas áreas de políticas penais, políticas públicas aplicadas às minorias do cárcere e gestões prisionais.

? Bruno Rotta Almeida. Professor da Faculdade de Direito e do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pós-doutorado em Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona. Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais pela PUCRS.

? Christiane Russomano Freire - Professora do Programa de Pós Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Mestre e Doutora em Ciências Criminais pela PUCRS.

? Fabrício Silva Brito - Defensor Público da Execução Penal de Palmas - TO. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (UFT/ESMAT). Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação nas Prisões-UFT.

? João Marcos Buch: juiz de direito da Vara de Execuções Penais de Joinville/SC; mestre em ciências jurídicas; especialista em criminologia e política criminal; formador da ENFAM;

? Manuela da Silva Amorim, Especialista Federal em Assistência à Execução Penal - vinculada ao Depen/Ministério da Justiça e Segurança Pública, desde 2014. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul ( UFMS/2022).

? Mayara de Souza Gomes - Doutoranda e Mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Pesquisadora. Membro do SEVIJU/UFABC

? Renato Campos de Vitto - Defensor Público de São Paulo, ex- Diretor Geral do Departamento Penitenciário Nacional- DEPEN

? Roberta Fernandes - pesquisadora do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da Pontífice Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Socióloga, mestre e doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas.

? Vanessa Menegueti, bacharel em Direito pela USP, mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Cofundadora do Instituto de Governo Aberto, diretora no Instituto Cidade Democrática, pesquisadora do Colaboratório de Participação Social Colab-USP e do SEVIJU/UFABC. 4

? Sidnelly Aparecida de Almeida, Psicóloga CRP MG 04/33569, Mestranda em Serviço Social - UFJF, ANEDS - Psicóloga no Departamento Penitenciário de Minas Gerais, Servidora Mobilizada na Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos e na Divisão de Inovação e Projetos Sociais no Departamento Penitenciário Nacional.

? Silvia Alyne Soares de Sousa, Policial Penal do Estado do Tocantins, Pedagoga, Sindicalista, Pesquisadora.