Entenda a 'mentalidade de turba', conceito que ajuda explicar a ação de grupos violentos

Por GIOVANNA BALOGH

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os atos golpistas de violência vistos neste domingo (8) contra os prédios e o patrimônio público ocorridos em Brasília foram um comportamento de massa provocados por uma doença social, não necessariamente psíquica.

Os psiquiatras ouvidos pela reportagem explicam que pessoas mudam de comportamento quando estão, por exemplo, em um grupo violento e agressivo, como vemos em brigas de torcidas organizadas de futebol.

O psiquiatra Alexandre Valverde diz que uma pessoa que não necessariamente teria coragem de quebrar uma vidraça acaba fazendo ao ver outros com a mesma atitude. O especialista explica que o termo tem nome e é chamado de "mentalidade de turba" (mob mentality), quando as pessoas tendem a ter comportamentos similares quando estão em grupo pois sentem que a responsabilidade individual é menor.

Segundo Valverde, a "mentalidade de rebanho", como também é conhecida, caracteriza-se quando as pessoas querem sentir-se parte do grupo pois acreditam que estão todos lutando por um bem em comum.

O psiquiatra diz que os manifestantes têm essas atitudes por acreditarem em uma realidade paralela.

"Eles são pautados por informações falsas e vivem em um mundo fantasioso, que tem a realidade distorcida, onde acreditam que vamos ter um golpe comunista e que as eleições foram fraudadas. São pessoas que não têm senso crítico", diz Valverde, que é especialista em comportamento e doenças psíquicas.

"As pessoas querem sentir parte do grupo, mas não percebem que estão sendo feitas de massa de manobra por políticos e líderes que financiam os atos. Existe aí uma relação abusiva que quem está lá quebrando, sendo preso, não percebe", afirma o médico.

Ele diz que o mesmo aconteceu nos Estados Unidos com a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021 após a derrota de Donald Trump. "Eles realmente acreditam em uma teoria da conspiração. A questão é como vencer tamanha desinformação".

O psiquiatra e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Aderbal Vieira Júnior afirma que cada vez mais as pessoas duvidam das informações e preferem ter como realidade o que é enviado no WhatsApp por um amigo. "Muitos desacreditam nas informações oficiais e preferem acreditar naquele que tem um laço afetivo que enviou num grupo. Estamos vendo uma estupidificação, e isso acontece tanto entre radicais de esquerda como de direita", avalia Vieira Júnior.

O docente observa que as redes sociais contribuem para isso. "Somos seres tribais que foram evoluindo, se adaptando e buscando sempre o pertencimento. Nas redes sociais, vivemos nas nossas bolhas para reafirmar aquilo em que você acredita e para que você possa se sentir especial com aquele grupo. Quem participa desses protestos acredita que está lá para salvar a nação. Eles acreditam que estão sendo revolucionários, não vândalos", diz o psiquiatra.

Vieira Júnior afirma ainda que cada vez mais as pessoas precisam encontrar grupos que pensam igual para sentirem pertencimento e se sentirem especiais. "Nas redes sociais você vê todo mundo se dando bem, afinal, todos mostram o sucesso na internet como viagens, restaurantes. Ao encontrar um grupo que pensa como você, você se sente menos medíocre. No caso dos 'patriotas', eles passam a sentir que são heróis", diz.

Esse radicalismo, segundo Valverde, fez com que os laços familiares e de amizades fossem rompidos. "Isso vai levar muito tempo para mudar, pois eles vão precisar entender que foram manipulados e ter essa consciência pode levar tempo ou nunca acontecer", diz.