TJ derruba liminar que autorizava aborto em menina estuprada pela 2ª vez no Piauí
TERESINA, PI (FOLHAPRESS) - O Tribunal de Justiça do Piauí suspendeu a liminar que deu aval ao aborto legal a uma menina de 12 anos, que engravidou pela segunda vez após ser estuprada em Teresina, em 2022.
Na decisão, o desembargador José James Gomes Pereira, da 2ª Câmara Especializada Civil do Tribunal de Justiça do Piauí, relatou que a família deseja entregar o recém-nascido para adoção.
O magistrado revogou a decisão da juíza Elfrida Costa Belleza, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Teresina, que tinha autorizado a interrupção da gravidez em 1º de novembro. Pereira se baseou na informação de que o pai e a menina mudaram de opinião e querem a continuação da gravidez.
Em novembro, o pai denunciou ao Conselho Municipal da Criança e do Adolescente que foi coagido a assinar o documento na maternidade pelo impedimento do aborto e que ele era a favor da interrupção da gravidez.
Com 10 anos, a menina engravidou pela primeira vez após ser estuprada em janeiro de 2021, em um matagal na zona rural de Teresina. Um ano depois de ter o direito ao aborto negado, a menina, com 11 anos, foi novamente vítima de violência sexual e ficou grávida. Segundo médicos ouvidos pela reportagem, o corpo de uma criança não está preparado para uma gestação.
Agora com 12 anos, a garota está com 27 semanas (seis meses) de gravidez. Desde setembro do ano passado, a menina vive em um abrigo com o filho da primeira gestação, que completou um ano de idade.
No Brasil, o aborto é autorizado em casos de estupro, risco à vida da mãe e diagnóstico de anencefalia do feto. Praticar ato sexual com menores de 14 anos configura crime de estupro de vulnerável.
Na liminar, de 6 de dezembro, o desembargador Pereira determina ainda que a maternidade Dona Evangelina Rosa realize o pré-natal e os procedimentos necessários na menina.
A maternidade informou à reportagem que não vai comentar porque o caso está em segredo de Justiça, mas voltou a afirmar que só faria o aborto até 22 semanas de gestação, pois segue norma técnica do Ministério da Saúde.
O posicionamento da maternidade contraria a orientação do Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), que recomenda o aborto legal em qualquer idade gestacional.
De acordo com a federação, o protocolo do Ministério, publicado em 2012, está com "inúmeras inconsistências". Uma cartilha foi editada em 2021 com as mesmas recomendações sobre abortamento.
A Febrasgo pede a revogação da norma técnica da Saúde sobre a não interrupção de gravidez após as 22 semanas.
"Do ponto vista da legislação, a mulher tem direito a interromper em qualquer idade gestacional. Isso nos fez constatar que as normas técnicas editadas pararam no tempo e no espaço desde 2016. Estamos em 2023 e não se avançou nos fóruns, e o governo anterior retrocedeu, pois militava numa seara contra os direitos reprodutivos", disse Robinson Dias de Medeiros, presidente da Comissão Nacional Especializada em Violência Sexual e Interrupção Gestacional Prevista por Lei da Febrasgo.
Ele afirmou que as interrupções de gravidez acima de 22 semanas deverão ser feitas em um ambiente com profissionais capacitados em centros especializados. "O risco de gravidez nessa criança é elevadíssimo, porque é um organismo que não tem maturidade para gestar. O aborto legal, seguro, feito em um hospital com equipe preparada é de baixíssimo risco."
O Ministério da Saúde informou que algumas portarias do governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), estão sendo revistas, mas não soube detalhar se a do aborto legal será revogada.
O Tribunal de Justiça do Piauí informou que não comenta decisões dos desembargadores e que as justificativas estão na própria decisão.
A mãe e o pai da menina não quiseram falar sobre o assunto, enquanto o Ministério Público estadual informou que vai analisar a decisão do TJ para depois adotar as providências.