O que é a Justiça terapêutica, proposta anunciada para cracolândia de SP

Por ISABELA PALHARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), lançaram na terça-feira (24) um plano conjunto de controle para a cracolândia, no centro de São Paulo, e entre as medidas está a instituição da Justiça terapêutica. O mecanismo já é previsto na Lei Antidrogas nacional desde 2006, mas sua implementação pouco avançou no país.

A Justiça terapêutica prevê uma alternativa penal para o dependente químico, sendo um dos principais pilares da política antidrogas de diversos países. Com ela, o usuário abordado consumindo drogas na rua terá a opção de receber tratamento médico e, caso negue, vai responder pela infração penal.

Se aceitar, o tempo de tratamento da dependência é substituído pela pena do crime pelo qual foi acusado.

Nesses casos, os boletins de ocorrência serão simplificados e um juiz especial será responsável pelos encaminhamentos de usuários abordados a tratamentos de saúde.

O modelo surgiu nos Estados Unidos na década de 1990 e depois foi adotado por outros países, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra. Ele é usado principalmente na política antidrogas, mas também foi estendido para outras situações como violência contra a mulher, embriaguez ao volante e crimes cometidos por menores de idade.

"Todas as políticas brasileiras antidrogas e contra o tráfico naufragam porque tratamos o dependente como um criminoso e não como doente. Nós nunca chegamos à raiz do problema, que é tratar a doença da dependência química", diz o advogado Victor Paulo Ramuno, que atua há 18 anos com Justiça terapêutica.

Apesar de o modelo já ser previsto em lei no Brasil há quase 17 anos, sua implementação ainda segue lenta. Em São Paulo, no início dos anos 2000, o Ministério Público criou o Programa de Justiça Terapêutica, mas apesar dos resultados positivos o alcance da política não aumentou ao longo dos anos.

Segundo Ramuno, o principal entrave para a aplicação é a forma como a sociedade encara a dependência.

"O próprio Judiciário não vê o dependente como uma pessoa doente que precisa de tratamento, mas como um criminoso que deve ir para a cadeia. Muitos juízes só trocam a pena por tratamento se o dependente tiver emprego, família. Essa não é a realidade da maioria dos usuários, principalmente, na cracolândia."

Ele também destaca que, para a política ser efetiva, o Governo de São Paulo precisa ampliar os locais de tratamento para os usuários. "O que adianta oferecer a alternativa, mas não ter vaga? Essa é a situação que vivemos atualmente."

O prefeito Nunes, anunciou nesta terça que vai criar um hub para tratar usuários de drogas no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), localizado em frente ao parque da Luz. Será a porta de entrada do dependente químico, onde vão atuar equipes de saúde e também haverá espaço para entidades sociais que trabalham na cracolândia.

O governador e o prefeito não detalharam como se dará na prática a implementação da Justiça terapêutica para os usuários da cracolândia. Mas, no programa implementado pelo Ministério Público, o dependente precisa, por exemplo, comprovar à Justiça que segue frequentando reuniões de grupo de ajuda ou atendimento terapêutico.

Participaram da elaboração do projeto para a cracolândia membros do Tribunal de Justiça de São Paulo, da Defensoria Pública e do Ministério Público, além de integrantes de secretarias municipais e estaduais.

Ao anunciar o novo projeto, o governador disse que o problema pode ter sido abordada de "forma errada" nos últimos anos. "Não quero julgar as ações anteriores porque todo mundo tentou fazer o melhor, e houve erro porque ninguém conseguiu resolver", disse.