Instituto usa fama da onça-pintada para conscientizar pecuaristas do Pantanal

Por PHILLIPPE WATANABE

CORUMBÁ, MS (FOLHAPRESS) - Ser um bicho emblemático pode ter seu lado bom e outro não muito agradável. Onde habita a onça-pintada, como no Pantanal, todos os olhos estão a sua procura --apesar de não necessariamente ela querer dar as caras. Por sempre estar na cabeça e na imaginação local, o animal também acaba levando culpas que não são suas e, nos casos mais extremos, é abatido por vingança.

Um boi foi morto? Foi a onça. Sumiu bezerro? Onça. Um cachorro desapareceu? Onça.

Pode ter sido uma onça-pintada? Sem dúvida. Mas nem sempre.

"Todo aquele medo e respeito em relação à onça-pintada atrai a responsabilidade de qualquer coisa que acontece. Mesmo em áreas em que tem onça-parda (Puma concolor) e pintada (Panthera onca) sempre vão falar que foi a pintada que comeu", afirma Diego Viana, coordenador do Programa Felinos Pantaneiros, do IHP (Instituto Homem Pantaneiro).

Há momentos em que a pintada leva a culpa mesmo quando um não felino é o responsável, como em ataques de cobra.

Mas não é só a fama do bichano que causa confusão. O manejo de rebanhos sem os controles devidos tem papel importante nessas histórias, afirma o presidente do IHP, Ângelo Rabelo.

Ele cita, por exemplo, o cuidado de, em época em que as vacas estão parindo, recolher o gado para locais onde haja cercas elétricas. "Historicamente, em fazendas muito grandes, o bezerro nascia no campo. O cara vai no dia seguinte, vê que nasceu um e morreu. [Acha que] É a onça", diz Rabelo.

O presidente do IHP dá o exemplo de uma fazenda que dizia ter perdido 300 cabeças de gado para a onça-pintada. "Eu falei: 'deve ter mão de ladrão aí, né?'", conta.

Manejar animais no Pantanal não necessariamente é simples. Entre complicadores estão as grandes distâncias no bioma e, dependendo do tamanho da propriedade, o número de funcionários --principalmente para fazendas menores em que trabalham, basicamente, só membros de uma família.

Além disso, Viana afirma que a origem de quem comanda a fazenda também pode ter algum impacto nessa percepção. Não é incomum, diz, que grandes propriedades do Pantanal sejam compradas, atualmente, por grupos que não originalmente da região.

"Nesse perfil de pessoas de fora é muito importante a gente apresentar esse conhecimento tradicional", diz Viana.

Isso não quer dizer, porém, que os próprios pecuaristas pantaneiros estejam preparados para esse tipo de identificação de ataques --afinal, se assim fosse, a onça-pintada não seria um bode expiatório.

"Esse é um dos nossos trabalhos. A gente chega às fazendas para capacitar ou relembrar os peões. Reforçamos esse conhecimento tradicional que o pantaneiro tem para identificar o que é um caso de onça-pintada, um caso de onça-parda ou outra causa de morte do rebanho", diz Viana.

Há formas de diferenciar quem foi o responsável pelo ataque, como as características das mordidas, as pegadas ao redor e as áreas da presa que foram consumidas. Até o tamanho do bicho morto pode dar pistas sobre a autoria do ataque, considerando que a onça-pintada é maior e tem potencial para avançar sobre presas maiores.

Mas a situação parece estar mudando aos poucos. Segundo Rabelo, as novas gerações de pecuaristas no Pantanal estão cada vez mais rigorosos com o manejo dos rebanhos. "E a geração que está chegando agora e comprando as áreas trabalha na ponta da caneta. Qualquer tipo de prejuízo é tratado com prioridade", diz o presidente do IHP.

PREVENÇÃO

Parte do trabalho desenvolvido no IHP é rodar o Pantanal (recentemente, o instituto ampliou a parceria com a empresa automotiva General Motors e recebeu mais uma caminhonete para executar esse serviço e mais verba) entrando em contato com proprietários de terras para mostrar como evitar o contato entre as onças e os rebanhos, além de conscientizá-los sobre esses grandes felinos.

Uma dessas formas de prevenção é a própria a cerca elétricas. O sistema funciona com o primeiro fio eletrificado ficando de 20 a 30 cm distante do chão; o segundo não é eletrificado e o terceiro fio deve receber corrente. Já há indicação para uso de um quarto fio, também não eletrificado, diz Viana.

O choque que a onça toma ao tentar atravessar a cerca não é letal, segundo Viana.

O coordenador do Programa Felinos Pantaneiros teve o primeiro contato com as cercas elétricas --ele declara, inclusive, que vem tomando choques constantemente como parte do trabalho diário-- como ferramenta para mitigação de conflitos durante um intercâmbio que fez para a África do Sul, ainda na faculdade.

Após isso, Viana trocou informações com o pesquisador Rafael Hoogesteijn, membro da organização Panthera Brasil, que trabalha com uso de cercas há décadas e acompanhou o início da aplicação dessa ferramenta pelo IHP.

Apesar de ser uma ideia já existente, o IHP tenta dar escala à iniciativa no Pantanal.

Outra ação que é indicada pelo IHP são repelentes luminosos. Trata-se de um pequeno aparelho com diversos LEDs em sua superfície que piscam em cores e frequências diversas. Segundo o instituto, o estranhamento que o objeto causa na onça faz com que ela se afaste do local.

Segundo Viana, porém, esses repelentes são uma estratégia momentânea, considerando que, eventualmente, as onças se acostumam com a presença das luzes estranhas. A ideia é usar essa ferramenta somente em épocas de parição e em áreas mais vulneráveis da propriedade.

Existem, porém, condutas ainda mais simples, que já são postas em prática como parte da cultura pantaneira. Uma delas é recolher os animais do pasto ou colocá-los em locais protegidos.

Viana diz que parte do trabalho que o IHP faz é mostrar aos produtores e aos ribeirinhos que são as ações deles que facilitam ou dificultam o trabalho de predação da onça.

"Pensando em cães e porcos, você leva uma presa muito mais fácil de ser abatida do que qualquer espécie silvestre. Até uma capivara se defende mais que um cachorro ou um porco", diz Viana.

Por exemplo, considerando que os casos predominam no período noturno, colocar cachorros em locais protegidos à noite dificulta as possibilidades de emboscada de uma onça.

Proteger os animais em recintos, porém, não necessariamente é o antídoto perfeito. A reportagem esteve em uma fazenda na Nhecolândia, uma das regiões do Pantanal, que, há algum tempo, havia perdido, durante uma noite, inúmeros carneiros, criados para alimentação dentro da propriedade.

Adivinhe a culpada?

Se você está pensando em uma onça-pintada, volte para o começo do texto.

O algoz dos carneiros foi uma onça-parda.

O jornalista viajou ao Pantanal a convite da GM (General Motors).