Governo permite fuga de garimpeiros, mas investigação encontrará responsáveis, diz Flávio Dino
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou nesta segunda (6) que o governo federal tem permitido a fuga de garimpeiros ilegais do território yanomami, sem efetuar prisões, para evitar que o uso da força "sem planejamento" piorasse a situação conflituosa entre os criminosos e os indígenas.
Segundo o ministro, cerca de 15 mil garimpeiros ilegais estavam na terra indígena no início do ano --número maior do que o governo federal consegue empregar no local. A situação é ainda considerada complexa por causa da proximidade dos criminosos com a população yanomami.
"Esse fluxo de saída está ocorrendo na casa dos milhares, há um monitoramento. A nossa previsão é de que esse fluxo aumente nos próximos dias, que mais pessoas saiam ainda, e nós estamos na expectativa de que, quando do início das operações policiais coercitivas, 80% desse contingente de 15 mil pessoas tenha saído do território yanomami", disse Dino a jornalistas.
O ministro destacou que a fuga dos garimpeiros, permitida pelo governo, não representa um "caminho de impunidade".
"Sobre as investigações, temos um foco prioritário: os financiadores, os donos dos garimpos ilegais e aqueles que fazem lavagem [de dinheiro]. Claro que temos os executores de crimes ambientais --essas pessoas estão sendo identificadas por imagens e serão alvo do inquérito policial" disse.
Segundo o ministro, garimpeiros ilegais chegaram a solicitar o apoio do governo federal para deixar a terra indígena. Eles alegam dificuldade para sair da região desde que a Aeronáutica passou a realizar o controle do espaço aéreo e proibir que aeronaves utilizadas na atividade criminosa sobrevoassem o território.
"Claro que estamos neste momento permitindo que essas pessoas saiam pelos seus próprios meios, mas não haverá apoio do governo federal para que haja essa retirada, porque consideramos que há incompatibilidade entre a natureza criminosa da atividade com o eventual apoio [do governo federal]".
Flávio Dino anunciou que será iniciada a 2ª fase da força-tarefa do governo federal para controlar a situação de calamidade da população yanomami, que enfrenta crise de saúde pública com o avanço do garimpo ilegal em seu território.
O trabalho envolve o envio de mais de 500 policiais federais, agentes da Força Nacional e militares das Forças Armadas para a terra indígena.
"As ações policiais se referem à segurança de outras equipes que lá estão (Funai e Ministério da Saúde) e teremos as ações de afastamento compulsório, obrigatório, de quem eventualmente não saiu nesse período", disse Dino. "Isso envolve a apreensão de equipamentos, a destruição de equipamentos, a destruição de pistas clandestinas e pode envolver a prisão em flagrante de pessoas que eventualmente ainda estejam [no território]".
Do total, 100 agentes da Força Nacional se deslocam nesta segunda a Roraima, para reforçar a segurança das bases da Funai e dos postos de saúde próximos a Boa Vista.
Na quarta (8), o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, viajará com os comandantes Tomás Paiva (Exército), Marcos Sampaio Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica) a Roraima, para dar prosseguimento às ações da força-tarefa montada pelo governo para a desarticulação do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Desde a última quarta (1º), a FAB (Força Aérea Brasileira) realiza o controle do espaço aéreo do território. O objetivo é impedir a logística de abastecimento das atividades criminosas.
Os garimpeiros passaram a enfrentar inflação nos preços dos voos clandestinos de helicóptero para deixar o território, cobrados pelos próprios garimpeiros detentores de aeronaves. Um único voo passou a custar R$ 15 mil por pessoa, conforme relatos de invasores levados em conta no monitoramento feito pela PF.
Parte dos garimpeiros tenta chegar à Venezuela, segundo integrantes da PF, e há movimentos de fuga voltados até mesmo para a Guiana, distante da terra indígena.
Parte do território yanomami está na fronteira com a Venezuela. Uma das regiões mais atingidas pela crise de saúde, com explosão de casos de malária e desnutrição grave, é Auaris, que fica próxima da fronteira. O garimpo ilegal de ouro avançou tanto, com a conivência e o estímulo do governo Jair Bolsonaro (PL), que chegou até comunidades de Auaris.
O governo Bolsonaro viu a crise escalar e atingir o ápice em 2022, o ano em que mais de 20 mil invasores intensificaram o garimpo ilegal e consolidaram o avanço dos pontos de exploração rumo a áreas de aldeias antes distantes dos garimpeiros, com a conivência do governo.
Também no ano passado houve uma crise no fornecimento de medicamentos básicos aos indígenas, como vermífugos para as crianças, com suspeita de fraude e corrupção no contrato assinado pela gestão Bolsonaro.
O governo Lula declarou estado de emergência em saúde pública no último dia 20 e criou um comitê de coordenação para enfrentamento à desassistência sanitária na terra yanomami.