Escolha de consultor para órgãos de informação da polícia de SP gera desconfiança

Por ROGÉRIO PAGNAN E MARIANA ZYLBERKAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O secretário da Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, nomeou como coordenador de um dos principais setores de inteligência do estado um empresário que atua como consultor privado e é ligado à produtora de vídeos conservadora Brasil Paralelo.

João Henrique Martins foi escolhido para chefiar o CICC (Centro Integrado de Comando e Controle) e o CIISP-SP (Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública do Estado de SP), serviços que trabalham com informações sensíveis das polícias Civil e Militar e da Administração Penitenciária.

A indicação vem gerando críticas entre integrantes das polícias e até entre pessoas que participaram equipe de transição de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Segundo eles, apesar da formação, há tempos Martins não é visto como acadêmico, mas como um consultor que trabalha na produção de dados de interesse do setor corporativo. Assim, conforme esses críticos, não teria um perfil adequado para salvaguardar informações estratégicas da segurança pública.

O CIISP-SP, por exemplo, tem entre as finalidades "articular e integrar as atividades de inteligência de segurança pública no âmbito do Estado" e "subsidiar o governo na tomada de decisões nesse campo, mediante a produção, análise e disseminação de dados".

Procurado para comentar, Martins não se manifestou até a publicação deste texto. Em nota, via assessoria de imprensa, o secretário da Segurança disse que "às ilações sobre a venda de informação cabem comprovação ou a devida reparação judicial".

Amigo de Derrite, o escolhido foi tenente da PM paulista, onde, conforme currículo na internet, trabalhou em órgãos de inteligência. Em agosto de 2015, pediu desligamento definitivo da corporação (reserva sem vencimentos) para seguir na iniciativa privada e na carreira acadêmica.

Um ano antes de deixar a corporação, porém, ele -licenciado- já trabalhava como consultor da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de SP), onde ficaria até 2018. Na entidade, afirma ter idealizado e estruturado um grupo de análise de dados estatísticos, o Observatório de Mercados Ilícitos.

Ainda conforme currículo publicado, Martins é cientista político, especializado em economia criminal e políticas de controle de mercados ilícitos. É mestre em ciência política e doutorando em relações internacionais, ambos pela USP.

De acordo com oficiais da PM ouvidos pela reportagem, Martins entrou no mercado pelas mãos do sociólogo Túlio Kahn, ex-chefe da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), órgão da Secretaria da Segurança que concentra as estatísticas criminais.

O sociólogo foi, inclusive, um dos integrantes da banca de defesa do mestrado do coordenador, em 2008, ainda como chefe da CAP. Kahn foi demitido do cargo em 2011 após suspeitas de que vendia serviços de consultoria e disponibilizava dados estatísticos que a própria secretaria considerava sigilosos.

Recentemente, Martins trabalhou para a produtora Brasil Paralelo como consultor do documentário "Entre Lobos", que aborda a questão da criminalidade. Derrite foi um dos entrevistados da obra.

A produtora é a mesma responsável por um filme sobre a facada sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que, ignorando investigação da PF, levanta a tese de que o atentado teria sido ordenado por um aliado. A exibição foi adiada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em outubro passado em razão do momento eleitoral.

De acordo com o site da Brasil Paralelo, a assinatura de um dos pacotes oferecidos pela produtora também dá direito a mais de 90 cursos e formações, entre eles "Segurança Pública: O Controle do Crime ao Longo da História", ministrado por Martins.

Além da parceria com a produtora, o coordenador passou a vender, em 2022, cursos pelas redes sociais. Um deles, "Arena de Segurança Pública", custa R$ 299.

No ano passado, Martins foi chamado por Derrite para participar da elaboração do plano de governo de Tarcísio na área de segurança e também viria a integrar a equipe de transição do eleito.

"João Henrique Martins é um cientista político formado pela USP, com mestrado e também está fazendo doutorado. Ele participou daquele documentário da Brasil Paralelo 'Entre Lobos'. Ele foi por 15 anos do serviço de inteligência PM, era responsável por analisar o crime organizado", disse Derrite à Folha de S.Paulo, em entrevista publicada em 24 de janeiro, ao destacar sua equipe de colaboradores.

Uma das críticas feitas por oficiais da cúpula da PM à própria indicação de Derrite para o cargo de secretário era a sua proximidade com nomes do setor de segurança privada, como o empresário Nelson Santini, também ex-tenente da PM e doador de campanha de Tarcísio.

Na resposta posterior à reportagem, o secretário ressaltou as qualificações do coordenador. "Há mais de 20 anos atua na área de políticas de controle de crime e crime organizado transnacional. Foi oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo durante 15 anos e atuou tanto na região metropolitana de São Paulo quanto no centro de inteligência da corporação", diz trecho.

Procurada, a Brasil Paralelo disse que, no documentário "Entre Lobos", Martins "foi um dos entrevistados e fez parte de uma equipe com outros nomes, que ajudaram a dar informações e pesquisas para nossa equipe de checagem e compliance verificar".

A produtora não informou se a colaboração foi remunerada. Sobre as parcerias nos cursos, a produtora diz que também foi gravado "um curso de abordagem mais histórica da segurança pública, com desvinculação política e de forma propositiva".

"Temos uma seção de cursos na nossa plataforma e todo o conteúdo abordado pelo entrevistado não coube no recorte da trilogia 'Entre Lobos', mas cabia em formato de curso. É um complemento opcional de conteúdo sobre o tema", explica.

A Secretaria da Segurança não informou se a parceria entre Martins e Brasil Paralelo será suspensa com a nomeação. Disse que o coordenador pediu o afastamento da administração das empresas de que participava tão logo recebeu o convite do governo para assumir o centro de inteligência.