Casarões vazios criam vila fantasma após chuva em São Sebastião (SP)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem chega de barco à praia de Barra do Sahy, em São Sebastião, avista os casarões nos topos dos dois morros que cercam a pequena baía. Em tempos normais, mansões à beira dos precipícios já chamariam a atenção, mas a paisagem passou a impressionar mais após as chuvas extremas que provocaram deslizamentos pelo litoral norte de São Paulo. Com parte da terra abaixo das casas tendo cedido, esses imóveis parecem desafiar a gravidade. Alguns despencaram morro abaixo.
A reportagem subiu até o topo de uma das encostas nesta quinta-feira (23). O morro do Fabinho está do lado direito da praia, quando observado a partir do mar. O acesso é por uma ponte de madeira sobre a desembocadura que leva o rio Sahy para o mar. A estrutura de madeira está envergada. É preciso certo equilíbrio para passar.
Do outro lado, a fachada branca com detalhes azuis da capela Nossa Senhora de Santana parecer ser a única coisa intacta. O caminho estreito que dá acesso aos casarões pé na areia, os mais valorizados, tem uma camada de lama que torna impossível andar sem enterrar o pé. Descuidos podem fazer quem tenta passar afundar bem mais.
Vazios, casarões enlameados e aparentando terem sido evacuados às pressas criavam um aspecto de vilarejo fantasma. Em uma das casas, garrafas de cerveja sobre a mesa de centro reforçavam a impressão de que o imóvel foi evacuado quando os veranistas aproveitavam o fim de semana de Carnaval. Diferentemente do que ocorreu em Vila Sahy, longe da praia e onde moram os pobres, não houve mortes neste morro.
Depois da parte plana da trilha onde havia uma geladeira e um veículo sedã de luxo parcialmente enterrados, o arquiteto Fábio Marangolo, 64, despede-se do casal que sai em direção ao banco de areia que funciona como um porto para pequenos barcos. Acompanhado de Black, seu enorme cão preto da raça terra-nova, Marangolo se apresenta. "Pode chamar de Fabinho. Esse morro tem meu nome", diz.
Fabinho é construtor. Nascido em São Paulo, no bairro Pacaembu, mora em São Sebastião desde 1979. Afirma ter erguido a maior parte das casas no morro que leva o seu nome e também no morro do outro lado da praia de Barra do Sahy, que faz divisa com a praia Preta, outro dos locais mais afetados pelos desmoronamentos que ainda impedem a ligação pela rodovia Rio-Santos entre São Sebastião e Bertioga. "As casas que eu fiz não desabaram", afirma, sem esconder o orgulho pelo trabalho.
Há cerca de 20 casas no morro do Fabinho. Imóveis com mais de 300 metros quadrados, com três ou mais suítes, e valor médio de aproximadamente R$ 2 milhões, se estiverem em local mais elevado. O preço salta para R$ 4 milhões quando o imóvel fica perto da areia.
Black e Fabinho guiam a caminhada morro acima pelo chão calçado com pedras e cimento. A lama está dentro das casas vazias, principalmente aquelas que ficam no sopé, mas a trilha íngreme está livre do barro.
Confiante de que está seguro, o arquiteto sobe em direção à própria casa, que fica no ponto mais alto. Precisa buscar ração para Black. "Tenho certeza que não vai cair", afirma, mas explica que decidiu ir para a casa de amigos do outro lado do rio. "O seguro morreu de velho."
Ele explica que as casas que resistiram ao temporal foram construídas sobre lajes de pedra e, por isso, poderão ser recuperadas. "Vai tudo ser reconstruído. Aqui o pessoal tem muito dinheiro."
"Aquela casa ali na frente que caiu porque foi construída sobre um valetão", disse, apontando para a clareira no morro onde antes havia uma residência. "As casas que resistiram a isso têm um certificado de garantia, acho que em mil anos não vai acontecer outra chuva como essa."
O construtor afirma que todos os imóveis de alto padrão possuem Habite-se, que é a autorização do município para construir.
A reportagem perguntou ao prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), se os imóveis estão, de fato, regularizados. Ele não havia respondido até a publicação deste texto.
A Defesa Civil estadual disse que ainda fará a avaliação das mansões nos morros citados e que, portanto, não poderia dizer se os imóveis estão ou não condenados. A prioridade neste momento, segundo o órgão, é a avaliação das residências na parte profunda do bairro, que foi mais afetada.
Na descida do morro, uma proprietária de casa de veraneio e sua empregada também seguiam a trilha em direção à ponte sobre o rio Sahy. A funcionária levava uma sacola com mantimentos e toalhas.
A proprietária disse que a reportagem estava lá para mostrar a tragédia dos outros. A conversa ficou amistosa, porém, quando os repórteres ofereceram ajuda para carregar a sacola que estava com a empregada.
Recusando-se a dizer seu nome, concordou em contar como foi a fuga dos moradores na hora em que parte do morro desabou. Segundo ela, quando a lama desceu, os moradores atravessaram o ponto em que estavam com a água na cintura, explicou, apontando para uma área perto de churrasqueiras um pouco mais abaixo que parecia uma piscina lamacenta.