Em protesto, população cobra moradia e auxílio social em São Sebastião

Por CARLOS PETROCILO E RONNY SANTOS

SÃO SEBASTIÃO, SP (FOLHAPRESS) - Desde que a empregada doméstica Maria Nilda Oliveira Santos Félix, 53, deixou sua casa no morro do Esquimó, em Juquehy, por volta das 5h do dia 19 fevereiro, não pisou mais lá. O cenário de terra arrasada com a chuva histórica em São Sebastião, no litoral paulista, a deixou traumatizada.

Marinalva Vieira dos Santos, 55, teve a sua casa interditada e, nas últimas três semanas, conta com a acolhida de conhecidos para dormir e veste roupas que lhe foram doadas.

Na manhã deste sábado (11), centenas de moradores ocuparam a praça dos Estudantes, ao lado da rodovia Rio-Santos, para expor seus dramas e a insatisfação com o poder público. Depois, deram início a uma caminhada pela região, que ainda ocorria no início desta tarde.

A principal cobrança da população, parte dela desalojada, refere-se à construção de novas moradias.

No protesto, organizado por movimento ligado à esquerda, a população foi convidada a discursar e fez críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB).

"Não podemos passar pano para nenhum político, principalmente os que foram omissos com o desmatamento da Amazônia. Essa tragédia é consequência de tudo isso", afirmou Sumar Graciano, 55, vendedora de um brechó.

"Vem, aqui, o prefeito [Felipe Augusto] e diz que vão nos mandar para Boiçucanga, como se fôssemos objetos. Tenho minha casa, construí um brechó na sala para o meu sustento, é a minha vida", diz Sumar.

O déficit habitacional em São Sebastião está estimado entre 8.000 e 10 mil casas. Em dez anos, a cidade recebeu apenas 166 unidades do programa de moradia do governo estadual. No mesmo período, em todo o estado, foram entregues 67,3 mil moradias.

Os moradores cobraram também transparência dos recursos prometidos pelos governos federal e estadual, assim como pleitearam o repasse das doações enviadas ao litoral norte por ONGs, cidadãos e empresas.

"Desde quando saí de casa, não voltei nem para buscar as roupas porque colocaram uma placa de que será demolida. Já fui à assistente social e dizem que preciso esperar. Só que eu estou sem nenhum auxílio social, nem de aluguel, nem de moradia, nada", reclama Marinalva. "É simples colocar uma placa de demolição, mas a casa é minha história, é onde nasceram meus três filhos, meus seis netos. É onde moro há quase 30 anos."

A casa de Nilda, segundo ela, não está com o destino selado. O drama, neste caso, é o psicológico. "Na minha rua, mais de 20 casas foram levadas e vi um vizinho morto. Não tenho forças para voltar e recomeçar. Só se Deus mandar uma ordem, porque o homem não faz voltar", afirma ela, que é empregada doméstica.

"Eu saí tão sem rumo, achei os moradores numa igreja e fique lá nas primeiras semanas. Hoje ,estou na casa da minha patroa."

Após o momento de discursos, os moradores deram a mão e também houve um minuto de silêncio em homenagem às 65 pessoas quem morreram em decorrência das chuvas do final de semana de Carnaval.

Miraídes Silva, 34, queixava-se bastante da ausência dos vereadores na manifestação na praça. "Amanhã [domingo], eles vêm aqui, gostam desta praça para pedir voto. Cadê o prefeito que recebeu os recursos, e ninguém viu o dinheiro?", disse ela.

Minutos depois, por volta das 11h10, a vereadora Pauleteh Araújo (PP) chegou ao local. "Quem quiser falar comigo sobre doações, sobre valores de Pix, estou aqui. Em momento nenhum deixei a comunidade", disse a vereadora, bastante aplaudida.

Outra política a discursar foi a deputada estadual eleita Ediane Maria (PSOL).

Como a Folha mostrou, nesta sexta (10), vereadores estariam insatisfeitos com a ausência de detalhes sobre a utilização dos recursos solicitados pelo prefeito Felipe Augusto (PSDB), segundo o presidente da Casa, Marcos Fuly (DEM). Com isso, há pedidos travados na Câmara para liberação de recursos e contratação de financiamentos para amenizar os efeitos da tragédia.

Segundo a prefeitura, três projetos importantes para a realização de obras emergenciais cujas propostas para custeio estão nas mãos do Legislativo local desde o final de fevereiro. O mais importante deles pede autorização para que o município obtenha crédito de R$ 100 milhões da Caixa Econômica Federal.

Existe ainda um pedido para a contratação temporária de 300 moradores do município, ao custo de um salário mínimo por mês, para a atuação em obras emergenciais, além de um pedido de anistia de juros e multas de créditos municipais.

Fuly afirmou que falta detalhamento aos pedidos enviados pelo prefeito. Já a gestão de Felipe Augusto afirma que a liberação de recursos e as contratações temporárias têm destinação específica, que são obras de contenção para diminuir os efeitos de novos deslizamentos ainda durante o período de chuvas.