Esqueletos com 'síndrome do cavaleiro' indicam origem da arte de andar a cavalo
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Esqueletos com cerca de 5.000 anos encontrados na Europa oriental podem ser o primeiro indício de uma prática que revolucionou o mundo antigo: a arte de andar a cavalo. Os esqueletos em questão, porém, não são de equinos, mas das pessoas que provavelmente os cavalgavam, cujos ossos teriam sido alterados por esse hábito.
Se a análise da estrutura óssea dos possíveis cavaleiros estiver correta, trata-se de mais uma peça importante do quebra-cabeças da origem de muitos povos europeus e asiáticos. Uma série de pistas linguísticas, arqueológicas e genéticas sugere que a domesticação dos cavalos e o uso desses animais como montaria foi um elemento-chave para a expansão dos chamados protoindo-europeus.
Esse grupo pré-histórico teria surgido na região do mar Negro, mais ou menos na atual fronteira entre a Rússia e Ucrânia, e se espalhado tanto para o oeste quanto para o leste. Ao longo de milênios, seus descendentes e os povos que eles assimilaram ou influenciaram deram origem a quase todos os grupos da atual Europa. Isso vale também para muitas etnias importantes da Ásia, em especial boa parte dos indianos (daí o "indo" no nome deles) e iranianos.
Mas é claro que o uso do cavalo para o transporte e a guerra não ficou restrito aos protoindo-europeus e aos povos derivados deles. O animal acabou sendo incorporado para esses fins em quase todos os impérios do Velho Mundo e, mais tarde, também em outros continentes, sendo suplantado apenas com a popularização dos trens e automóveis a partir da segunda metade do século 19.
Dados precisos sobre os primeiros estágios da domesticação dos cavalos são um tanto contraditórios. Imagens que mostram pessoas cavalgando os animais de forma inequívoca aparecem relativamente tarde, por volta de 2.000 a.C. Bem antes disso, em torno de 3.500 a.C., dentes de cavalos achados no Cazaquistão apresentam sinais de desgaste que poderiam ter sido causados por rédeas.
No entanto, o local também tem resquícios do consumo de leite equino. Por isso, acredita-se que o passo inicial da domesticação dos animais possa ter envolvido sua criação como animais de corte e leiteiros, e só depois como montarias.
Na nova pesquisa, que acaba de sair na revista especializada Science Advances, uma equipe liderada por Martin Trautmann, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, analisou os esqueletos de 217 pessoas que morreram entre 6.500 anos e 3.500 anos atrás (período que abrange principalmente a Idade do Bronze).
As ossadas foram achadas em quatro países (Romênia, Bulgária, Hungria e Sérvia). Muitas delas correspondem a indivíduos da chamada cultura Yamnaya, criadores de animais que se expandiram por boa parte da Europa Oriental e Central e chegaram também ao sul da Sibéria por volta de 3.000 a.C.
Estudos genômicos indicam que os povos ligados à cultura Yamnaya contribuíram para o DNA de muitos europeus atuais, chegando a superar os 50% em alguns casos, o que sugere que eles correspondem aos protoindo-europeus das hipóteses arqueológicas.
E foi justamente no caso de integrantes desse povo que Trautmann e seus colegas identificaram o que designam como "síndrome do cavaleiro", que não é uma doença, mas um conjunto de modificações no esqueleto que parecem estar associadas à permanência do indivíduo na sela. Ou talvez, apenas no lombo do animal, sem a sela ?nessa época, selas como as usadas atualmente, bem como estribos, ainda não eram nem sonhados pelos primeiros cavaleiros.
Isso significa que era necessário um esforço muito maior dos quadris, das coxas e da porção final da coluna para que a pessoa se mantivesse montada. Foram alterações nessas partes do esqueleto que a equipe identificou em cinco indivíduos da cultura Yamnaya que foram sepultados entre 3.021 a.C. e 2.501 a.C. na Romênia, na Bulgária e na Hungria.
Para Trautmann, os dados reforçam a plausibilidade da associação entre os membros dessa cultura e os primeiros indo-europeus. "Um estilo de vida muito móvel, baseado no pastoreio de ovelhas e vacas, fez deles bons candidatos para isso, bem como, é claro, o uso de cavalos para transporte", resumiu ele à reportagem.
Segundo o pesquisador, ainda é difícil saber se, nessa fase, os cavalos serviam também para a guerra. "Mas, mesmo se eles fossem muito medrosos ou teimosos para enfrentar o combate diretamente, usá-los como ?táxis de batalha? para levar seus cavaleiros até pontos estrategicamente importantes de forma rápida faria deles elementos valiosíssimos em ataques-surpresa ou escaramuças", explica. "Ainda assim, nossa hipótese é que os cavaleiros dessa época estivessem mais para caubóis do que para a cavalaria de Napoleão", brinca Trautmann.