População de baixa renda em SP acessa Justiça por meio de convênio

Por LUCAS LACERDA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A auxiliar de produção Roberta (nome fictício) teve um surto emocional durante o expediente em uma fábrica de Mairinque, a 67 km de São Paulo. O episódio, no final do ano passado, foi um dos resultados de anos de agressões físicas, xingamentos e violência sexual.

Até ali ela se fiava no amor pelos três filhos, no casamento de 22 anos, na fé e nas promessas de mudança do companheiro. Acudida por colegas de trabalho, foi encorajada a registrar um boletim de ocorrência, começou a fazer sessões de terapia na empresa e decidiu denunciar o agressor.

Sem poder pagar por um advogado, ela foi indicada na delegacia a procurar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo, que poderia indicar profissionais para acompanhar o caso gratuitamente. Ela é uma das atendidas pela assistência judiciária suplementar oferecida por meio de convênio da Defensoria Pública paulista com a OAB no estado.

Criado em 1986, na época sob responsabilidade da Procuradoria-Geral do Estado, o convênio permite que a OAB nomeie advogados, pagos pelo Estado, para assistir quem reside no estado de São Paulo e tem renda familiar de até três salários mínimos. O programa atende as áreas cível, criminal, júri, infância e juventude cível, infância e juventude infracional.

A OAB orienta as pessoas a procurarem subseções da ordem onde não houver Defensoria Pública. No site da entidade há uma lista com telefones e endereços das subseções no estado, e os interessados devem entrar em contato para verificar informações sobre cadastro e atendimento pela assistência gratuita.

Antes de conseguir o atendimento, Roberta já havia tentado denunciar as agressões. Há cinco anos, ela foi espancada e, após ser ameaçada com uma faca, tentou fazer um boletim de ocorrência e pedir a medida protetiva. No entanto, diz que não foi bem atendida na delegacia, e que se sentiu desencorajada.

Ela saiu de casa, levando os três filhos, mas o casamento não era aceito pela família, e o refúgio na casa mãe foi marcado por atritos. Roberta descobriu uma série de traições do marido, que prometeu mudar e convenceu-a a voltar para casa. Por alguns meses, ele melhorou, ela diz.

Mas as agressões verbais voltaram, e ela sentia repulsa pelas tentativas do marido de forçar relações sexuais. Numa noite, o marido saiu para beber e ela foi dormir no quarto dos filhos. Quando ele chegou transtornado, coube ao mais velho, de 20 anos, colocar-se em defesa da mãe para evitar mais uma agressão.

Com o auxílio das colegas de trabalho e a assistência de advogadas nomeadas pela OAB, ela recebeu todas as orientações para seguir com a denúncia, pediu a medida protetiva e acompanha seu processo para obter divórcio e a pensão alimentícia para os filhos.

Após ficar um período com a mãe, que foi mais acolhedora após a denúncia, ela voltou para casa, trocou as fechaduras e diz que tomou a decisão de cabeça erguida.

A 100 km de Mairinque, em Campo Limpo Paulista, Carlos Augusto da Silva, 62, viu na assistência suplementar a última saída para tratar a osteoporose nos dois fêmures e corrigir cinco hérnias de disco.

Os impactos na saúde vieram da jornada na construção civil. "Sempre trabalhei nessa área, só na última firma foram 23 anos, e não estava aguentando. Mas as perícias médicas sempre me consideravam apto para voltar ao trabalho", diz ele.

A necessidade de cirurgia foi atestada por médicos em 2006, mas por sete anos ele viu a fila aumentar e a esperança de resolver o problema diminuir. Carlos diz que os próprios funcionários do hospital São Vicente, em Jundiaí, onde fazia as consultas, se solidarizaram com a situação e disseram que ele procurasse a OAB local para cuidar do caso.

Foi quando ele conseguiu, com o acompanhamento dos advogados e decisões na Justiça, fazer os primeiros procedimentos em 2013 no Hospital das Clínicas da Unicamp. As cirurgias da perna direita e para as hérnias correram bem, mas a perna esquerda exigiu mais quatro operações ao longo dos anos, todas garantidas por um juiz.

"Se não fosse a OAB, eu estava em cima de uma cama, paralítico", afirma Carlos, que agora está em casa, foi aposentado por invalidez e se recupera da última cirurgia.

Criado em 1986, o convênio com a OAB de São Paulo era conduzido pela Procuradoria-Geral do Estado e anterior à própria Defensoria Pública paulista, criada em 2006. A iniciativa é uma das formas de garantir no estado uma determinação da Constituição Federal. Segundo o texto, quem não puder pagar por advogado deve ser assistido por um defensor público.

As formas de oferecer o acesso à Justiça variam entre estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o alcance da Defensoria Pública é mais amplo, e os núcleos universitários de prática jurídica também prestam apoio a pessoas com baixa renda.

Com menos de 20 anos desde a sua criação, a Defensoria paulista tem 900 cargos criados por lei e 789 defensores na ativa. O órgão inaugurou sua 44ª unidade na segunda (13), em Itapevi.

Para Rafael Pitanga, primeiro subdefensor público geral de São Paulo, o convênio é uma forma de atender os 30 milhões de pessoas no estado que não têm renda suficiente para conseguir pagar advogados. "Com essa assistência conseguimos cumprir um papel importante para o acesso à Justiça ou à defesa".

Pitanga diz, no entanto, que a Defensoria Pública também procura promover o acesso a direitos por meio de ações coletivas, seja por ações civis públicas ou por articulação com o Executivo e o Legislativo para a promoção de políticas públicas.

O convênio nomeou 40 mil advogados em 2022. Para atrair mais profissionais, a OAB de São Paulo conseguiu aprovar um aumento de 17% nos honorários, o maior em 11 anos, segundo associação. Profissionais interessados podem se inscrever no projeto até esta terça no site da Defensoria Pública de São Paulo.