Direito da USP decidirá se mantém homenagem a eugenista acusado de violar corpo de mulher negra

Por CLEO GUMARÃES

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) decidirá, na próxima quinta-feira (30), se retira ou mantém na instituição uma homenagem feita a um professor ligado à Sociedade Eugênica de São Paulo e a maus tratos contra o corpo de uma mulher negra.

Catedrático de medicina legal, Amâncio de Carvalho teria embalsamado o corpo de Jacinta Maria de Santana para usá-lo em experimentos e em trotes estudantis no Largo de São Francisco, na capital paulista, no início do século 20. Atualmente, seu nome batiza uma das salas de aula do espaço.

Discussões contra a homenagem foram iniciadas pela comunidade acadêmica em 2021 e, no ano passado, chegaram à Congregação da Faculdade de Direito, instância máxima para a deliberação dos assuntos da instituição. Desde então, o caso vem se arrastando em meio a diversos pedidos de vista.

Uma comissão formada por professores e alunos elaborou um relatório sobre os supostos abusos contra Jacinta praticados pelo docente, que era vice-presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo. As conclusões foram apresentadas durante uma reunião da Congregação ocorrida no ano passado.

Enquanto estudantes defenderam a retirada do nome do catedrático da sala de aula, o professor Renato de Mello Jorge Silveira, titular do Departamento de Direito Penal da faculdade e relator do caso, defendeu a manutenção da homenagem. Em seguida, apresentou um pedido de vista para reavaliar as evidências.

O caso voltou a ser debatido em novembro de 2022, mas, diante de um novo pedido de adiamento feito por representantes da pós-graduação, não houve conclusão. Com a realização de uma nova reunião da Congregação nesta semana, estudantes têm se mobilizado para que o nome do docente eugenista seja retirado da instituição.

"A configuração da Faculdade de Direito da USP tem mudado, sobretudo com a adoção do sistema de cotas em 2018, de modo que o número de alunos negros tem crescido significativamente. É natural que símbolos dessa instituição, fundada ainda na época da escravidão, sejam questionados", afirma o aluno Anderson Damasio Pessoa da Silva, que representa os estudantes da graduação na Congregação.

"É extremamente violento aos alunos verem homens como Amâncio de Carvalho, defensores do eugenismo, serem homenageados neste espaço", afirma ele ainda.

A história de Jacinta Maria de Santana foi revelada pela historiadora Suzane Jardim e divulgada pelo portal Ponte Jornalismo, em abril 2021. De acordo com a publicação, Jacinta era uma mulher pobre que não tinha residência fixa e vivia na região central da cidade de São Paulo. Ele morreu em 26 de novembro de 1900, a caminho de um hospital, após passar mal.

De acordo com a historiadora, seu cadáver foi entregue a Amâncio de Carvalho com o objetivo de viabilizar o aperfeiçoamento de estudos sobre embalsamento. Por cerca de três décadas, o corpo da mulher negra teria sido usado na para ilustrar aulas de medicina legal da Faculdade de Direito -mas também em trotes.

Na época em que a história de Jacinta veio à tona, o então professor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, repudiou o ocorrido. "Importa menos ser um fato ocorrido faz mais de 120 anos. Relevante é que o episódio aponta desrespeito ao corpo de um ser humano e também o viés racista fortíssimo naquela sociedade (que perdura, infelizmente, ainda) recém saída formalmente da escravidão", afirmou, na ocasião.