Lira quer votar marco temporal para esvaziar julgamento do STF
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Enquanto acontecia o Acampamento Terra Livre, principal evento anual do movimento indígena, a bancada ruralista se mobilizou para avançar com o projeto que torna lei a tese do Marco Temporal ?que, na prática, trava demarcações.
A estratégia é se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre esse mesmo tema.
Durante a semana, a Frente Parlamentar da Agropecuária decidiu colocar o projeto como uma de suas prioridades, em consonância com presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao tema, para que fosse votada sua urgência.
O movimento só não se concretizou por uma restrição do regimento, que não permite que uma nova proposta seja colocada como prioridade enquanto ao menos uma das duas com o mesmo status não for debatida no plenário.
Mas, assim que for possível, o texto deve voltar a avançar. O próprio Lira deu indícios disso durante o debate do PL (projeto de lei) das Fake News, ao ser questionado sobre a retirada de pauta da proposta de regulamentação das redes sociais.
"Vocês não podem me aplaudir quando eu cumpro o regimento e pauto a CPI do MST. Vocês não podem me aplaudir quando eu cumpro o regimento e disse que pautaria o marco temporal se o Supremo pautasse lá o marco temporal", afirmou Lira, reiterando que também tem compromisso com propostas da oposição.
O marco temporal tem apoio de ruralistas e é rechaçado por indígenas. A falta de conclusão no julgamento do STF sobre o caso aumenta a tensão e a possibilidade de conflitos.
Segundo a tese, os indígenas que não estavam em suas terras em 5 de outubro de 1988 ?data da promulgação da Constituição? não teriam mais direito sobre elas, ainda que existam pareceres antropológicos demonstrando que elas pertenceram a seus antepassados.
A tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois acabaria por validar e legalizar invasões e violências cometidas contra indígenas anteriormente à Constituição de 1988.
O julgamento do STF se dá especificamente sobre um caso, o da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ (em Santa Catarina), do povo xokleng, mas tem caráter de "repercussão geral" ?quando uma decisão da corte serve de referência para o entendimento de todos os casos sobre o tema.
A presidente do Supremo, Rosa Weber, pautou a votação do marco para o dia 7 de junho.
A estratégia da bancada ruralista e do relator Arthur Maia (União Brasil-BA) é tentar aprovar a lei antes do julgamento ?que caminha para derrubar a tese. Na última semana, ele disse ao jornal Valor Econômico que havia selado acordo com Lira para avançar com o texto na Câmara.
No entendimento de parlamentares ligados ao tema, o processo no STF parte do pressuposto de que não há uma lei. Portanto, a aprovação de uma pode fazer com que a análise do Supremo perca seu objeto.
O argumento é que uma legislação, hierarquicamente, se sobrepõe a uma jurisprudência criada pelo Judiciário.
Já quem é contra a tese entende que não que o Supremo vai analisar a constitucionalidade do tema. Portanto, segundo essa visão, o precedente seria suficiente para que anular qualquer lei que venha a ser aprovada sobre o tema.
Procurado, o deputado Arthur Maia não respondeu.
Para a deputada Célia Xakiraba (Psol-MG), líder da Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, o projeto pode inviabilizar novas demarcações, ameaçar terras já homologadas, entrar em desacordo com normas internacionais e comprometer investimentos em combate ao desmatamento.
"O avanço dessa pauta manda uma mensagem de um Parlamento que vai na contramão do futuro. Ela mostra falta de compromisso com o meio ambiente, com os direitos humanos, direitos dos nossos povos e com a própria Constituição", afirmou.
Caso o tema avance, avaliam parlamentares, ele tem potencial para ou trazer divergências entre governo e Lira, ou ser usado como moeda de troca em negociações políticas.
Na última sexta-feira (28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a demarcação de seis terras indígenas ?as primeiras desde 2018.
O evento aconteceu no Acampamento Terra Livre. Lula não falou diretamente em seu discurso sobre o marco temporal, mas chegou a erguer uma faixa, trazida pela plateia, contra a tese.
O tema também foi lembrado, no mesmo evento, pelo cacique Raoni Metuktire, que pediu a derrubada da tese, cobrou do presidente demarcação de mais territórios e lhe entregou um cocar.