Passe livre nas eleições não influenciou comparecimento às urnas, diz estudo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O passe livre no transporte público durante as eleições de 2022 não influenciou o comparecimento de eleitores às urnas nem aumentou a votação em candidatos de esquerda. Mas aumentou a mobilidade nas cidades, as visitas a parques e a presença em vários estabelecimentos comerciais.
A conclusão é de um estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) nesta quinta-feira (11), elaborado por uma equipe que reúne pesquisadores do instituto e de cinco universidades brasileiras e americanas. Eles analisaram dados de votação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em quatro eleições nacionais e da localização de celulares, disponibilizados pelo Google.
Segundo o estudo, o transporte grátis pode ter alterado a maneira como as pessoas chegaram até suas seções eleitorais, trocando o automóvel por conduções de ônibus, trem ou metrô. Mas o benefício foi usado por pessoas que já estavam decididas a votar e iriam às urnas de qualquer forma.
"Em outras palavras, a isenção de tarifas no transporte público não teve um efeito significativo na redução da abstenção eleitoral, pois não foi suficiente para convencer os não votantes a votar", diz trecho da pesquisa. Isso vale tanto para os colégios eleitorais nas áreas mais povoadas das cidades quanto nas regiões mais remotas, os bairros mais pobres e também os mais ricos.
Para descobrir se o passe livre influenciou a decisão de votar, os pesquisadores analisaram a abstenção nos dois turnos dos pleitos de 2010, 2014, 2018 e 2022. O objetivo era saber se a quantidade de votantes cresceu de um turno para outro, uma vez que muitas cidades adotaram a isenção de tarifa apenas no segundo turno do ano passado -o número subiu de 82 para 379 municípios entre uma etapa e outra da eleição. A variação, porém, ficou dentro do padrão de outras eleições que não tiveram passe livre.
Por outro lado, as cidades que tiveram transporte público gratuito tiveram aumento de 17,7% na circulação de pessoas em parques, de 13,7% em locais como estações de metrô e terminais de ônibus, de 7,2% em supermercados e farmácias e de 5% em centros de comércio. Essa mudança foi medida apenas nas cidades que liberaram as catracas no dia do primeiro turno de 2022, pois não havia dados da localização de celulares disponíveis para 30 de outubro do ano passado.
O resultado chegou a surpreender os próprios autores, que esperavam um efeito maior da gratuidade na participação eleitoral. "Eu estava convencido, achava que com certeza o passe livre teria algum efeito na eleição, pelo menos para quem é pobre, ou pelo menos para quem mora a uma certa distância [da seção eleitoral], e vimos que não", conta o pesquisador Rafael Pereira, do Ipea, que coordenou o estudo.
O aumento no número de municípios que adotaram o passe livre, entre o primeiro e o segundo turno das eleições, ocorreu após uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou prefeituras e empresas concessionárias a oferecer transporte gratuito, quando achassem adequado. A decisão ocorreu após um questionamento da Rede Sustentabilidade.
O estudo levanta três hipóteses para explicar a falta de efeito na votação. Em primeiro lugar, a maior parte da população já estaria disposta a pagar pelo transporte no dia da votação, algo que tende a aumentar em eleições acirradas como foi a disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
Além disso, é possível que o custo de não votar seja considerado alto por uma parcela importante dos eleitores, uma vez que no Brasil o voto é obrigatório. A abstenção leva a multa e traz complicações como dificuldade para renovar documentos e receber empréstimos no banco.
Por último, há a hipótese de que o custo financeiro do transporte no dia da votação não seja alto, pois o TSE distribui as seções eleitorais de forma a reduzir a distância entre a residência e o local de votação.
Exemplo para outras situações
Na cidade de São Paulo, foi a primeira vez que as catracas foram liberadas desde 2003, quando a cidade adotou o Bilhete Único. À época, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) estimou o custo da operação em R$ 7 milhões.
A publicação da pesquisa pelo Ipea ocorre no momento em que a capital paulista estuda a possibilidade de implantar o passe livre permanente. Em novembro, Nunes encomendou um estudo de viabilidade da ideia, mas os resultados ainda não foram divulgados. Ele adotou um tom de cautela em relação ao assunto, ressaltando que o passe livre pode não sair do papel.
Pereira diz, no entanto, que as conclusões do estudo sobre o dia da eleição dificilmente serviriam como base para pensar na gratuidade em outras situações. "A capacidade de comparar isso com o dia a dia da população é muito limitada, porque mesmo no dia da eleição a oferta de serviço publico que a prefeitura provê para a população é muito baixa comparada a um dia de semana", diz o pesquisador.