Por dia, 9 escolas são alvo de furto em SP

Por CARLOS PETROCILO E CRISTIANO MARTINS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Jhonny Neris de Souza soube às 7h45, por uma mensagem de WhatsApp, que a filha Vitória, 11, não teria aula naquela manhã de segunda-feira, 10 de abril.

Funcionários da escola estadual Guerra Junqueiro, no conjunto habitacional Juscelino Kubitschek, na zona leste de São Paulo, informaram aos pais e responsáveis sobre a falta de energia elétrica em razão do furto de cabos e fios.

O problema perdurou até o dia 6 de junho. Nesses dois meses, os quase 550 alunos da instituição ficaram sem aula presencial. "Os professores se desdobraram para compartilhar conteúdo pelo WhatsApp", afirma Souza.

Em média, 273 casos de furtos por mês, ou nove a cada dia, foram cometidos em instituições de ensino públicas e privadas no estado de São Paulo nos últimos cinco anos. Entre janeiro de 2018 e abril deste ano, foram registrados 17.508 boletins de ocorrências desse tipo.

A metade dos delitos ocorreu nas escolas de ensino fundamental. O restante foi em creches (24%), ensino médio (20%) e instituições de ensino superior (6%).

O levantamento foi feito pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) do estado a pedido da Folha de S.Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação, e mostra ainda que, após atingir um pico de 521 furtos em agosto de 2018, o número de casos vêm caindo.

Entre os itens mais apontados como furtados, os cabos e fios dominam a lista. Em 3.063 ocorrências, ou 17% das vezes, os ladrões levaram cabos e fios. Segundo colocado da lista, os televisores estão presentes em 1.676 registros.

Os boletins não informam com exatidão a quantidade dos objetos furtados e podem listar numa única ocorrência outros itens, que vão desde alimentos e bebidas, dinheiro, hidráulicos como torneira e canos, documentos pessoais, cartão bancário, chaves, chuveiro, escada, escorredor de louças, martelo, serra elétrica, sacos de lixos e acessórios esportivos.

A quantidade de produtos do gênero alimentício subtraídos, como açúcar, bolachas, carnes, doces, leite, suco, café e chá, chama a atenção.

"São números fortes. Os furtos famélicos [com o objetivo de saciar a fome] e de fios refletem a condição de pobreza estrutural na sociedade", diz Fernando Cássio, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu).

Especialistas apontam que a criminalidade afeta a infraestrutura da escola e, com isso, interfere no ritmo de aprendizagem. "Um estudante não poder estudar porque a escola foi roubada leva à insegurança, à falta de perspectivas", afirma a educadora Maria Márcia Sigrist Malavasi, professora da Unicamp.

Para Adriana de Melo Ramos, doutora em educação e coordenadora do Instituto Vera Cruz, a criminalidade tira a oportunidade de aprendizagem e traz uma mensagem de segurança.

"Esses delitos não podem ser banalizados. A escola deve trazer o debate para os alunos e envolver lideranças comunitárias, representante do comércio local para buscarem soluções, se unirem para cobrar vereadores, secretários de educação", afirma.

O sumiço dos cabos e fios tem consequências mais duradouras na rotina das instituições e leva à suspensão de aulas por longos períodos. Nos dois meses em que a escola Guerra Junqueiro ficou sem aula, segundo Jhonny Souza, boa parte dos alunos não conseguiu acompanhar as orientações dos professores através do WhatsApp.

"A escola fica no extremo da zona leste, divisa com Ferraz de Vasconcelos, é uma região bastante carente e nem todas as crianças têm acesso ao celular ou computador, enquanto os pais estão trabalhando", conta o pai de Vitória.

Em nota, a Seduc (Secretaria da Educação do Estado) disse que "quanto à EE Guerra Junqueiro, após o restabelecimento da energia, as aulas ocorreram normalmente" e o "conteúdo não ministrado será reposto a partir do dia 18 de julho".

A pasta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) declarou que, nos casos de furtos e roubos, as escolas são vítimas e estão orientadas a instalar câmeras conectadas com a Polícia Militar, além de manter contato com batalhões regionais.

A SSP afirmou que o caso da escola Guerra Junqueiro foi investigado pelo 44º Distrito Policial (Guaianases) e encaminhado à Justiça no último dia 5, depois de a reportagem questionar a secretaria sobre o episódio.

O governo ressaltou que, de janeiro a maio deste ano, houve uma redução de 1,6% nos roubos em geral e quase 80 mil infratores foram detidos e apreendidos. Na região de Guaianases, diz, a queda é de 16% nos furtos e 29% nos roubos.

Para mitigar os delitos, a SSP afirma que a Polícia Militar mantém o contato com as direções das escolas, além do serviço de Ronda Escolar e do patrulhamento com motocicletas, viaturas e a pé.

Diretores de colégios ouvidos pela Folha, sob anonimato, reclamam da falta de vigilância principalmente aos finais de semana e pela madrugada.

Dos 17.508 casos, 21% ocorreram pela madrugada, enquanto outros 65% foram registrados sem um horário definido ?essa imprecisão geralmente ocorre quando as escolas estão fechadas. Somente em 142 casos, isto é, menos de 1%, houve flagrante policial.

A diretora de uma escola pública da rede municipal em Guaianases disse que não conta com agente de apoio responsável pela vigilância escolar em razão da escassez desses profissionais. O último concurso para essa função, segundo a servidora, ocorreu em 2002.

A capital concentra 21% das ocorrências, com 3.737 boletins em 199 bairros ?a maioria em regiões periféricas como Grajaú, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Itaquera e Itaim Paulista. Somente nesses cinco bairros foram lavrados 714 boletins.

Em nota, a prefeitura paulistana disse que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) reforçou em 50% na Ronda Escolar em abril, com mais de 32 viaturas, totalizando 96 veículos.

"A prefeitura lamenta que espaços que deveriam servir à comunidade, destinados à convivência, educação e formação de estudantes, tenham sido vítimas de furtos", diz a Secretaria Municipal de Educação.

Sobre a queixa de falta de agente de apoios, a pasta da gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que a carreira foi extinta em 2021, sendo enquadrada na de assistente de suporte operacional. Nesta nova função, segundo nota da prefeitura, o profissional realiza atividades de apoio.

"As atribuições de patrulhamento e segurança da comunidade escolar são de responsabilidade da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana", afirma a gestão Nunes.